terça-feira, 30 de setembro de 2014

Resenha de Filme - Magia ao Luar

Magia Ao Luar. Você Prefere Racionalismo Triste Ou Ilusão Feliz?
Woody Allen está de volta. “Magia Ao Luar” é uma comédia romântica despretensiosa, mas isso não significa que ela não tenha nada a dizer. Até porque Woody Allen sempre tem algo a dizer. O grande barato aqui é a forma como as coisas são ditas. Ilusionismo e ocultismo são as escadas para se abordar questões mais profundas.
A história fala de um grande ilusionista, Stanley (interpretado por Colin Firth), que incorpora um personagem oriental nos seus números de magia, famosos em muitos países. Nosso protagonista é extremamente racional, arrogante, prepotente e cheio de si, beirando o insuportável. Um de seus poucos amigos, Gypsy (interpretado por Kenneth Edelson) lhe informa que uma moça de nome Sophie (interpretada por Emma Stone) afirma ser uma médium e ter visões. Stanley, que tem uma fixação por desvendar charlatanismos, já que ele próprio é um artista das ilusões, quer conhecer essa moça e vai ao encontro dela com seu amigo. Chegando lá, ele agride a menina sistematicamente, mas, ao mesmo tempo, se interessa por ela, pois Sophie destrincha toda a sua vida pregressa sem nunca tê-lo conhecido. O coração duro do mágico amolece aos poucos e ele começa a colocar todo o seu racionalismo em dúvida, sendo feliz com Sophie num mundo místico e, por que não, até certo ponto lúdico.
Fujamos dos spoilers. O que chama a atenção no filme? Em primeiro lugar, a ambientação de época. É impressionante como um bom figurino, boas locações e uns poucos carros antigos originais podem nos levar sem dificuldade para meados da década de 1920, acompanhados de uma boa trilha sonora da época e música erudita de bom gosto, como Stravinsky. A história simples e despretensiosa tem um bom acabamento e faz uma eficiente viagem no tempo usando recursos também muito simples, mas aplicados de forma extremamente competente.
Colin Firth estava estupendo fazendo o papel de um mágico arrogante, mas cheio de fraquezas e inseguranças internas que seu orgulho infinito teimava em esconder, entretanto de forma ineficiente. Emma Stone mostra ser a queridinha da vez de Woody Allen, onde sua competência exibida na nova sequência de “Homem Aranha” é inquestionável. Esse par amoroso, como não pode deixar de ser nesse tipo de filme, conduz a história e nos deixa com a alma leve, mas um tanto tensa com seus complicados “affairs”.
Entretanto, a grande mensagem do filme está na dicotomia racionalismo X ocultismo, que se associa a outra dicotomia, tristeza X alegria. O que é melhor? Viver num mundo real, sem ilusões, mas cheio de desesperança, tristeza e amargura, ou se deixar iludir por mentiras, mas ser feliz? Woody Allen se apega a essa segunda possibilidade. Muito curioso isso, pois a época abordada (meados dos anos 1920) mostrava uma crise dos paradigmas racionais. A sociedade capitalista racional tinha levado à tragédia da Primeira Guerra Mundial e à crise do racionalismo. Movimentos artísticos como o expressionismo alemão, o surrealismo e o dadaísmo colocavam em crítica a sociedade racional vigente, embora houvesse uma volta da mesma na arte em movimentos da segunda metade da década de 1920 como a Nova Objetividade na Alemanha. Allen abraça a felicidade tirada da ilusão e do irracional. Ele flerta coma vida guiada por impulsos emocionais, onde você toma decisões em busca da felicidade para a sua vida, sem pensar muito nas consequências. Obviamente que isso não ocorrerá sem dramas nem conflitos internos, como podemos presenciar no personagem Stanley, mas a decisão final é pelo irracional. O amor é irracional. Não há como ser simultaneamente feliz e racional nessa história. Só seremos felizes se agirmos por impulsos.

Uau! E toda essa discussão numa comédia romântica despretensiosa. Como já foi dito, só podia ser Woody Allen mesmo, que sempre tem algo a dizer!


Cartaz do Filme


A adorável Emma Stone, agora com Woody Allen.


Colin Firth, em magistral interpretação.


Sessões mediúnicas.


Impossível resistir aos encantos da moça.



O mestre na direção.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Resenha de Filme - Whiplash

Whiplash. Grande Atração do Festival do Rio.
O nosso Festival do Rio tem vários filmaços. E hoje vamos falar de “Whiplash”, definitivamente uma das grandes atrações deste ano. O filme conta com a excelente presença de J. K. Simmons, o J. J. Jameson do filme “Homem Aranha” com o Tobey Maguire como o herói das teias. Simmons é a grande atração de uma trama muito interessante. Whiplash é uma história sobre música. E muito boa música. Jazz, mais especificamente. Vemos aqui a trajetória de um baterista que está na Universidade, Andrew Neyman (interpretado por Miles Teller), filho de um escritor fracassado e que nem conheceu a mãe. Seu sonho é ser um grande baterista, alcançando a perfeição ao executar as músicas de Jazz. Mas, para chegar ao sucesso na sua profissão, ele terá que enfrentar os métodos de ensino rigorosíssimos de Terence Fletcher (interpretado por J. K. Simmons), que é um verdadeiro cão chupando manga, assediando moralmente seus alunos, ultrapassando todos os limites da humilhação total, chegando ao nível da agressão física. Andrew passará por todas as humilhações que se pode imaginar, indo aos limites da exaustão total e dos nervos, quando chega a agredir seu professor. E, ao contrário do que podemos imaginar, o filme não tem um desfecho óbvio. Os caminhos de Andrew são bastante tortuosos ao longo da trama.

A grande questão que fica aqui é: tal metodologia de ensino é eficaz em sua plenitude? A forma rigorosa e humilhante com que Fletcher trata seus alunos é até compreensível, pois os estimula a sempre se aprimorar e jamais se acomodar. O problema é, até onde tal metodologia é apenas rigorosa e até onde ela chega aos limites perigosos do assédio moral e da humilhação. A fronteira entre essas coisas parece muito tênue. E o filme lança essa dúvida. A gente também se pergunta até onde vale a pena se dedicar a uma carreira e alcançar uma suposta perfeição. Os sacrifícios de Andrew para isso beiravam o absurdo total, com direito a muitas feridas e poças de sangue nas mãos. Mas há situações ainda mais inusitadas que eu não contarei aqui, para não dar tantos “spoilers”. De qualquer forma, o filme é excelente, foi uma sessão cheia e muito aplaudida ao seu final. Como as legendas estavam em cima dos fotogramas (não foi com legendas eletrônicas), é possível que “Whiplash” entre em circuitão depois, sendo um programa obrigatório para os amantes da boa música e do bom cinema, pois, como já foi dito acima, J. K. Simmons arrebentou. O filme realmente gira em torno dele, apesar de Andrew ser o protagonista. Fletcher, apesar de ser um demônio encarnado, sabia também ser doce e meigo em momentos muito pontuais. E esses extremos foram de grande valia para configurar a complexidade do personagem. Um homem de fala mansa que podia, de uma hora para outra, cometer as mais severas barbaridades. Mas que, no fundo, sabia reconhecer um grande talento, algo que ele caçava, sem êxito, com suas metodologias rigorosíssimas de ensino. Não percam esse maravilhoso filme, se possível, ainda no Festival. Vale muito a pena!.


 Cartaz do Filme


Andrew e Fletcher. Relação muito conflituosa


Um professor muito exigente.


Humilhações que beiram o insuportável.


Indo até os limites da exaustão.


Sangue e baquetas. Síntese dos absurdos presentes no filme. 

domingo, 28 de setembro de 2014

Resenha de Filme - Sobrevivi ao Holocausto

Sobrevivi Ao Holocausto. Condição Humana Levada Aos Últimos Limites.
O excelente documentário brasileiro “Sobrevivi ao Holocausto” conta a história do polonês radicado em São Paulo, Júlio Gartner, sobrevivente de cinco campos de concentração na Segunda Guerra Mundial. O filme irá mostrar a volta de Júlio a todos os locais onde ele sofreu com os horrores do nazismo, acompanhado de Marina Kagan, que tem a mesma idade que ele tinha quando foi aprisionado pelos alemães, quinze anos. O testemunho de Júlio é valiosíssimo para compreendermos melhor a tragédia que foi o holocausto e uma voz que nos lembrará para sempre que jamais tal hecatombe deve se repetir.
A viagem começa por sua terra natal, a Polônia, onde ele precisou se esconder dos alemães em pequenas cidades do interior, se mudando delas quando descobria que os nazistas buscavam os judeus nas cidades mais afastadas dos grandes centros. Foi assim que ele perdeu seu pai e mãe. Um momento de emoção ocorre quando ele reencontra um senhor que o escondeu em sua casa quando era jovem. Mesmo depois de muitos anos, os dois se reconheceram e celebraram o fato de ainda estarem simplesmente vivos. Júlio visitou todos os campos de concentração em que esteve preso na Polônia (inclusive em Auschwitz) e na Áustria, contando histórias nos locais onde as presenciou como defronte dos vagões de trem do mais mortífero campo de concentração nazista, dizendo o que acontecia lá dentro, como os judeus sofriam dentro dos vagões, todo o sadismo dos chefes do campo, etc. Alguns campos ainda estão intactos, mas outros foram simplesmente apagados, surgindo vilas em seus lugares, para total indignação de Marina, que se revoltava com a aparente indiferença dos moradores locais, numa mostra de que ainda existem muitas feridas abertas com relação ao holocausto. Foi chocante ver fornos crematórios ornados com coroas de flores e placas de mármore de quem foi incinerado ali, num memorial que não lembrava um cemitério, mas sim uma prática racional e macabra de extermínio.
O personagem Júlio, por sua vez, é impressionante. Se a menina, com seu fulgor juvenil, se indignava facilmente (e isso não é nada difícil de entender), Júlio, que justamente passou por todos os horrores, mantinha uma postura serena e um discurso de que não se deve guardar ódio e olhar sempre adiante. Júlio, inclusive, diz que sente pena dos alemães, pois se eles cometeram tantas atrocidades, também tiveram o castigo que mereceram, numa referência velada à violência que os alemães sofreram dos aliados, praticamente não mencionadas (a História sempre é contada do ponto de vista dos vencedores).
Os locais onde Júlio passou após ficar em poder dos aliados também foram mostrados. Nosso personagem ficou na Itália, mais exatamente nos estúdios da Cinecittá, onde foram improvisados dormitórios para recuperar todos os judeus, muito barbarizados pelo holocausto (o próprio Júlio ficou com somente trinta quilos). A passagem mais curiosa que Júlio relatou desse período foi o linchamento de um nazista infiltrado entre os sobreviventes judeus para fugir da prisão e dos tribunais de guerra. Mas ele foi reconhecido por uma tatuagem da SS com a cruz suástica, pois o esparadrapo que a escondia caiu. A ida ao Brasil e a vida de Júlio hoje em nosso país dá o desfecho do documentário, cujos relatos de seus filhos e parentes só confirmam o espírito doce de uma pessoa que muito sofreu em vida.

Tal documentário é daqueles que mostra como o cinema cumpre a sua função social ao denunciar crimes, injustiças e desumanidades violentíssimas como foram as do holocausto. O relato vivo de Júlio Gartner nos locais em que ele sofreu as piores violências de sua vida é um documento fundamental. Podemos testemunhar sua importância ao ver o sereno senhor conversar com estudantes austríacos nos campos de concentração sobre tudo o que ele passou, ser aplaudido e abraçado. É o tipo do filme que você não deve apenas ver. Tem que ter, guardar e divulgar, para que os pesadelos do nazismo, do racismo e do antissemitismo não voltem mais, embora eles nunca tenham deixado o continente europeu desde o fim da Segunda Guerra Mundial e apareçam cada vez mais ameaçadores em eventos como o futebol, onde bananas são atiradas em jogadores de terceiro mundo e as punições contra tais crimes têm sido frouxíssimas. E nunca devemos nos esquecer que um dos fatores que propiciaram a ascensão dos nazistas na Alemanha foi a impunidade, sendo esta, portanto, uma das maiores ameaças à democracia. A denúncia de Júlio Gartner dentro desse contexto mundial contemporâneo se faz então ainda mais fundamental. Vejam, tenham e divulguem.

Cartaz do Filme


 
Júlio e Marina. Dois personagens assombrados pelo passado.


a dor e indignação de Marina são comoventes


Em Auschwitz


Tocante reencontro de Júlio (de boné) com as pessoas que o esconderam 


Visitando a senhora que mantém viva a memória de um dos campos. Forno crematório ornado com flores.


Grande momento. Júlio com estudantes austríacos. 

Chegando ao Rio de Janeiro. Fim da viagem.

sábado, 27 de setembro de 2014

Resenha de Filme - O Doador de Memórias

O Doador De Memórias. Já Vimos Isso Antes?
Quando vemos um filme do tipo “O Doador de Memórias”, sempre temos a impressão de que já vimos algo semelhante no que diz respeito à trama. Um estado opressor, que controla corações e mentes de um povo e o mantém sob estrita obediência. De fato, isso não é nada novo. Exemplos na História Universal não faltam, sendo talvez um dos mais recentes e notórios o estado nazista alemão. Mas como novamente o estado totalitário e opressor está de volta, cabe a nós analisarmos como esse tema é novamente contado. Um tema com variações, como dizemos na música erudita. O que vale aqui é percebermos como uma velha história pode ser recontada e o que de novo aparece nessa tentativa feita pela escritora Lois Lowry.
Vemos aqui um mundo perfeito, sem violência, guerras, miséria ou fome. Mas todas as pessoas parecem lobotomizadas. Elas obedecem a um estado sem qualquer forma de contestação, que controla tudo, desde a hora em que as pessoas devem dormir até o futuro profissional dos adolescentes. Não há qualquer possibilidade de escolha individual. Jonas (interpretado por Brenton Thwaites), um adolescente que está prestes a descobrir a função a qual foi designado, se vê surpreso ao perceber que foi escolhido para ser o receptor das memórias de toda a humanidade. Nenhuma pessoa dessa comunidade futura tem qualquer conhecimento do que aconteceu no Planeta Terra no passado. Eles não conhecem a guerra, a matança, fome, miséria ou qualquer coisa de ruim que a humanidade produziu. Mas também não conhecem tudo aquilo de bom que a vida pode dar. Sentimentos como amor e afeto passam longe de suas cabeças. Jonas descobrirá todos esses sentimentos ao estabelecer contato com o doador (interpretado por Jeff Bridges), convivendo com experiências de extrema beleza, mas, ao mesmo tempo, sofrendo profundamente com todas as atrocidades do passado. Quanto mais Jonas mergulha na história da humanidade, mais ele tem consciência de que a sociedade em que vive é uma farsa. E aí ele toma uma decisão. Jonas irá dar a toda a sua comunidade o conhecimento das memórias do passado. Para isso, ele terá que fazer uma viagem até os limites externos de sua comunidade, num terreno totalmente inóspito, fruto das destruições que a raça humana causou no passado. Entretanto, ele terá que enfrentar a perseguição da Chefe Elder (interpretada por Meryl Streep), que deseja a manutenção daquele estado alienante.
Como podemos ver, nada de novo no front. Um herói abnegado que luta sozinho contra um estado opressor que aliena toda uma sociedade e, miraculosamente, consegue alcançar seu intento. Só que, dessa vez, temos um rapazinho adolescente como protagonista, atuando num futuro não muito distante, dentro dos modelos de “best-sellers” adolescentes atuais, que tanto material têm dado para o cinema, indo de “Crepúsculos” a “Divergentes”, passando por “Jogos Vorazes”. O melhor do filme? Jeff Bridges, sem a menor sombra de dúvida. E a Meryl Streep? Apareceu pouco, foi mal aproveitada. Katie Holmes como a mãe de Jonas, totalmente antenada com o estado, é outro fator digno de destaque. Mas o filme não impressiona muito não. E seu desfecho dá a sensação de que o filme terminou antes da hora, que algo mais deveria ter sido contado ali.

Assim, podemos dizer que “O Doador de Memórias” não deu o retorno esperado. Mas abordar um tema já muito batido pode levar facilmente a esse risco. Recontar uma história tem a necessidade de uma imaginação muito rica para poder corresponder às expectativas, que se tornam muito exigentes nesse contexto.

Cartaz do Filme


Jonas, nosso herói, descobrindo o amor.


 
Meryl Streep, poderia ser mais aproveitada.


Jeff Bridges foi o cara!!!!


Não tem jeito. Os medalhões têm que estar presentes.


Promovendo o filme.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Resenha de Filme - O Casamento de May

O Casamento De May. Mulheres Jordanianas À Beira de Um Ataque De Nervos.
Mais um bom filme sobre o universo do Oriente Médio. “O Casamento de May”, obra da deslumbrante Cherien Dabis, propõe-se a fazer um verdadeiro caldo cultural em cima de uma família jordaniana composta só de mulheres, a mãe e três filhas. Uma família jordaniana, mas cristã, para começo de conversa. A mãe, Nadine (interpretada por Hiam Abbass), é uma fervorosa cristã evangélica praticante, que não aceita que a filha May se case com um palestino muçulmano secular, Ziad (interpretado pelo nosso querido Alexander Siddig, o doutor Bashir de Star Trek, Deep Space Nine). O casal de namorados vive em Nova York, Ziad economista, May, uma escritora que acaba de publicar seu primeiro livro. O casamento será na Jordânia e May vai para lá fazer os preparativos. De cara, há o conflito com a mãe por causa do namorado de outra religião. Mas a própria mãe se casou com um americano, Edward (interpretado por Bill Pullman), de quem já é divorciada e que namora uma jovem indiana. O ranço da mãe é muito forte, pois o pai buscou uma moça mais jovem que ele. Mas May insiste em ver o pai junto com as duas irmãs, Yasmine (interpretada por Nadine Malouf) e Karim (interpretada por Elie Mitri). Está montado todo o cenário, onde dramas e conflitos familiares vão ser ditados por todo o contexto geopolítico do Oriente Médio.
O filme se mostra muito interessante por abordar o Oriente Médio não do ponto de vista muçulmano, mas cristão. O culto evangélico ao som de uma música árabe é algo bem curioso, onde podemos notar claramente que há naquela região a cultura árabe e a cultura muçulmana. Um leve tom de comédia também aparece quando May se refere às muçulmanas com burkas como “ninjas”. O trio de irmãs, com destaque especial para May, é composto de lindas mulheres, sendo que Karim ainda é lésbica! O fato do pai das moças ser americano só aumenta as curiosidades do filme, um pai americano meio galinha que se casa com uma moça mais nova, algo muito conflituoso para essa família feminina cristã e de cultura árabe. Por fim, May ainda está cheia de dúvidas se deve levar adiante seu casamento ou não. Só é de se lamentar a pouca presença de Alexander Siddig, que se resumiu a falas no telefone e a uma pequena participação com May quando ele chega à Jordânia.

“O Casamento de May” é um filme sobre mulheres que têm uma vida livre no Oriente Médio. Não são “ninjas”. Têm casos esporádicos e opções sexuais livres. Mas há a mãe que, apesar de possuir um aspecto moral conservador, também vai dar suas escorregadinhas, de uma forma bem inusitada, somente para aumentar os dilemas desta família muito curiosa. Mulheres exuberantes do Oriente Médio.

 
Cartaz do Filme


Belas irmãs.


Lama do Mar Morto


Dilemas com o pai americano


Deserto de Incertezas

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Metrópolis no Cineclube Sci-Fi

No último sábado, foi exibido no Planetário da Gávea o filme "Metrópolis", de Fritz Lang, evento organizado pelo Conselho Jedi do Rio de Janeiro, o Cineclube Sci-Fi. Após a exibição do filme, foi feita uma palestra cujo palestrante foi esse humilde blogueiro que vos fala, que finalmente pôde pela primeira vez falar publicamente deste filme alemão tão enigmático produzido em 1925-1926. A cópia exibida foi a mais completa de que se tem notícia, com cerca de trinta minutos de material inédito encontrado numa cópia na Argentina, resultando em 95% da versão original.
Para fazer um resumo da palestra aqui, foi dito que, para entendermos um produto cultural, devemos nos inteirar do contexto histórico em que esse filme foi feito, já que a situação histórica influencia o filme. Mas, ao mesmo tempo, devemos considerar o filme não apenas como um produto de uma mentalidade coletiva, mas também perceber que o artista como indivíduo deixa suas marcas. "Metrópolis" foi produzido após uma crise inflacionária que mergulhou a Alemanha da década de 1920 numa profunda crise. Mas o Plano Dawes, de ajuda americana a Alemanha, colocou o país num período de estabilidade econômica, onde as manifestações extáticas de forte emoção do expressionismo já pareciam exageradas e ultrapassadas. Surge, então, uma arte mais conformista, que apenas descreve fatos, conhecida como "Nova Objetividade". Vimos que "Metrópolis" envereda por esse caminho conformista, exaltando a fórmula falsa da conciliação entre capital e trabalho pelo coração, equação celebrada pelos nazistas, que futuramente tomariam o poder. A exploração capitalista do filme se associaria à modernidade e tecnologia, demonizadas pelo caos trazido pela exploração e sede de revolução. Para frear esse estado de anomia, uma tradição cristã vai trazer a conciliação, onde Maria, a líder dos operários, anuncia o mediador Freder, filho do dono da cidade. A analogia entre Freder e Hitler é imediata, pois ambos buscavam conciliar tradição com modernidade. 
Mas, apesar do tom conformista e conciliador do filme, com o qual o próprio Lang não concordava, há uma forte estética expressionista, seja nos jogos de luzes e sombras, no estilo de interpretação "Schrei", nos intertítulos de exclamações curtas, nas preocupações com as alucinações (estados da alma) e com as questões sociais (surgidas após a Primeira Guerra Mundial). O cosmopolitismo do filme, com elementos das culturas africana e asiática, é outro traço da arte expressionista. 
A disposição geométrica das massas humanas é outro elemento digno de análise. Enquanto alguns autores veem nessa disposição geométrica um sinal de submissão, outros autores identificam uma vontade nessas massas em alguns momentos. 
Esses são alguns dos pontos citados na palestra ocorrida no planetário e que espelham toda a complexidade do filme e de sua época. 

Sempre é bom recordar "Metrópolis"        

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Resenha de Filme - A Idade da Terra, de Glauber Rocha

A Idade Da Terra. Uma Porralouquice Com Lógica Interna.
Mais um filme de Glauber. A película “A Idade da Terra” pode ser definida como altamente experimental, dentro da linha de filmes mais herméticos do cineasta baiano. Por não seguir uma linha narrativa mais tradicional, o filme descamba para uma concepção altamente fragmentada, mais parecendo um delírio de porralouquices. Mas há uma lógica interna presente, há algo a ser contado. E a genialidade do diretor se manifesta no elenco que trabalhou com ele, uma verdadeira constelação de estrelas brasileiras. Vejamos: Tarcísio Meira, Antônio Pitanga (um “habitué” dos filmes de Glauber), Maurício do Valle (idem), Danuza Leão, Jece Valadão, Geraldo del Rey, Norma Bengell.
O primeiro elemento identificado no filme é o caleidoscópio de signos culturais e sociais brasileiros. Vemos no início da exibição um longuíssimo plano de um pôr-do-sol em tempo real, seguido pela cultura considerada a mais ancestral de todas de nosso país: a indígena. Apesar de presenciarmos brancos (até louros!) fazendo papel de índios, a ideia está lá, onde planos curtíssimos são alternados com planos de média duração, destacando-se aí o trabalho da montagem, que aumenta a dramaticidade dos rituais, num ritmo frenético. Jece Valadão é o paradigma do herói nacional, circulando por todas as celebrações indígenas, que têm Bengell como uma espécie de Vênus tupiniquim.
Em seguida, uma visão aterrorizante de um Maurício do Valle espraguejando ameaças contra o Brasil. Sua longa cabeleira loura e seu sotaque carregado o associam a um imperialismo americano demonizado. Sua área de atuação é a moderna Brasília, onde ele implantará suas garras, se maravilhará com as riquezas brasileiras, vai querer comer o cu do povo. Aqui vemos os experimentalismos de Glauber, pois foi feita uma filmagem com peões de obra, onde Maurício do Valle interage com eles, dando-lhes beijos na testa e até chamando um de gay.
Outro elemento da cultura brasileira é o samba. O pano de fundo dessa vez é um desfile de escola de samba na Marquês de Sapucaí, onde o imperialista americano Maurício do Valle se esbalda e um Tarcísio Meira banqueiro de jogo do bicho se maravilha com a realização de sua obra, que é a escola de samba, manifestação de seu poder.
O litoral e as culturas africanas, o candomblé, também aparecem. Uma espécie de pai de santo “batiza” as pessoas na água do mar, ao som de músicas católicas, num retrato do sincretismo religioso no Brasil. O pai de santo entrega ao herói nacional Jece Valadão as armas para a luta contra os inimigos: flechas e um cocar. Uma figura meio que folclórica, com um chapéu napoleônico multicolorido, assobia a “Marselhesa” e é chamada de “Satanás!” por nosso herói Jece, que se aterrorizava de medo. A figura apocalíptica, símbolo do colonialismo europeu, dizia aos gritos para Jece que o nosso herói era extremamente perigoso e que havia sido mandado para matar o tupiniquim. Mas que não queria matá-lo, e sim que o brasileiro o obedecesse, o apoiasse, o respeitasse, numa mostra do embate da cultura brasileira contra o domínio estrangeiro.
Um momento mais “pé no chão” do filme, é a entrevista que Pitanga toma do jornalista Carlos Castelo Branco. O consagrado colunista político faz uma análise do golpe de 1964 e de como os generais presidentes se posicionaram com relação a política de alinhamento com os Estados Unidos na Guerra Fria, citando, por exemplo que Costa e Silva não tinha uma visão de alinhamento incondicional aos americanos, impondo até alguma resistência. Aqui vemos o Brasil civilizado, intelectualizado, cuja sala suntuosa onde se faz a entrevista é cheia de quadros alusivos à cultura nacional. Mas o barulho excessivo das pedras de gelo nos copo de uísque é altamente inquietante, onde sentimos arremedos de estrangeirismos nessa “civilização brasileira”.
Outros elementos da cultura nacional aparecem, como a Igreja Católica, representada de forma pomposa por bailarinas vestidas de freiras que dançam com muita leveza ou o futebol, onde Maurício do Valle simula narrações de jogos de futebol em plena rampa do Maracanã.
Vemos, então, como “A Idade da Terra” tem características altamente heterogêneas. Em primeiro lugar, o alto experimentalismo, seja no encontro de Maurício do Valle com os peões, seja na tomada de uma crise de pressão alta de Maurício do Valle, durante as filmagens, inserida no filme. Declamações altamente cheias de paroxismo também dão a tônica da trama, onde ideias de cunho político-social são às vezes exaustivamente repetidas para impregnar o espectador de conceitos críticos sobre a situação brasileira. Essas explosões de paroxismo, associadas aos efeitos de edição e montagem, com alternância de planos curtos e longos que dão um ritmo frenético e inquieto, trazem um quê expressionista ao filme. Movimentos delirantes de câmara também auxiliam nessa impressão, principalmente na sequência onde Tarcísio Meira, à beira de uma Baía de Guanabara poluída, grita desesperadamente sobre a nossa condição nacional de “cloaca do Universo” e de “estruturas destruídas” de forma altamente repetitiva.

Desse jeito, “A Idade da Terra” é mais um filme de Glauber Rocha que não nos deixa indiferentes. O que parece uma película totalmente tresloucada mostra em seu íntimo um embate entre o nacional e o estrangeiro, além de um mapeamento sobre os elementos culturais de nosso país. Mas a trama não faz isso apenas inspirada numa cartilha marxista, como ocorre em muitos filmes de Glauber, já que a aplicação prática do socialismo é questionada em algumas falas e o não alinhamento dos generais mais sanguinários da ditadura militar brasileira aos Estados Unidos é citado. Numa época de altas polarizações políticas entre esquerda e direita, relativizar tais discussões parece uma atitude de grande coragem, digna do vulcão que foi Glauber Rocha.

 
Cartaz do Filme


Maurício do Valle e Antônio Pitanga: "habitués" de Glauber


Tarcísio Meira. Paroxismos


Experimentalismos exóticos


Jece Valadão. Herói tupiniquim


Norma Bengell. Uma Vênus Tupiniquim


Um pôr do sol em tempo real


Porra louca genial...