quarta-feira, 17 de junho de 2015

Resenha de Filme - Retorno à Ítaca

Retorno À Ítaca. Utopias Perdidas Da Velha Guarda.
Uma deliciosa co-produção da França e da Bélgica paira em nossas telas. “Retorno à Ítaca” é um interessante filme que aborda, acima de tudo, relações humanas e seus caminhos tortuosos. O mais interessante é notar que, esses relacionamentos privados sofrem pesadas influências de questões externas, colocando os protagonistas numa espécie de beco sem saída.
A história se passa na Havana dos dias atuais (a co-produção é de 2014), onde quatro amigos de meia idade se divertem no terraço de um dos antigos prédios da cidade. Eles são: o pintor Rafa (interpretado por Fernando Hechavarria), a oftalmologista Tania (interpretada por Isabel Santos), o “exilado” Amadeo (interpretado por Néstor Jiménez) e o engenheiro Aldo (interpretado por Pedro Julio Díaz Ferran). Num encontro regado à bebidas e música, os quatro amigos se recordam do passado e de seus tempos de juventude, quando acreditavam piamente no sucesso da Revolução Cubana. Eles se lembram dos dias duros de trabalho voluntário, uma campanha do governo que instruía todos os cidadãos a trabalhar de graça para ajudar a combater o embargo econômico dos Estados Unidos. Mas os dias de otimismo e esperança foram por água abaixo com a degradação das condições econômicas da ilha após o fim da União Soviética. Tal degradação afetou cada um desses amigos individualmente, com a vida desses personagens sendo uma espécie de espelho do que se tornou a vida dos cubanos com o embargo econômico dos Estados Unidos, aliado à falta de liberdade do governo comunista. Rafa perde a inspiração na pintura e mergulha no alcoolismo. Aldo é um engenheiro que vive de fazer baterias com peças roubadas. Tania vive das pequenas ajudas de seus pacientes, além de estar solitária, já que seus filhos fugiram para os Estados Unidos. E Amadeo era um escritor que perdeu a inspiração depois de fugir para a Espanha e agora quer voltar a viver em Cuba para retomar sua carreira. Mas pode ser proibido pelas autoridades cubanas de fazer isso, pois foi expatriado. Aliás, o filme gira muito em torno do exílio de Amadeo na Espanha, pois alguns de seus amigos não aceitaram essa situação pelas mais variadas razões. E a causa real dessa fuga de Amadeo se configurará no grande mistério do filme.
Há, ainda, um quinto amigo, Eddy (interpretado pelo lendário Jorge Perrugorría, que trabalhou em “Morango e Chocolate” e na versão cinematográfica de Neville de Almeida da peça “Navalha na Carne”, onde contracenou com Vera Fischer), um funcionário de uma empresa que dribla as proibições do regime comunista e tem todos os confortos do capitalismo: celular, internet, viagens ao exterior, roupas e bebidas caras estando, obviamente, mergulhado em esquemas ilícitos que não revela a seus amigos.
Assim, a noite cai e os amigos conversam. É notável perceber as idas e vindas no texto, que vão das brincadeiras e piadas até as fortes discussões quando esses amigos revolvem o passado um do outro, expondo a fragilidade de todos e de como eles são, ao fim das contas, vítimas do contexto econômico, social e político do país em que vivem. Esses pequenos dramas pessoais se tornam ainda mais dolorosos porque temos a certeza de que as pessoas na realidade cubana de hoje atravessam aquelas dificuldades. E nos solidarizamos com os personagens e suas situações como nos tornaríamos solidários do próprio povo cubano como um todo. O mais forte aqui é que esse povo tem cara, dores pessoais, lágrimas e desilusões, atingindo-nos em cheio.

Dessa forma, “Retorno à Ítaca” é um filme de grandes virtudes que não pode deixar de ser visto não só pelos cinéfilos, mas também por aqueles que gostam de uma boa história que expõe as fragilidades da condição humana. Um filme para ver, ter e refletir. O vencedor da Palma de Ouro de Cannes desse ano.

Cartaz do filme

Quatro amigos e uma festinha, 

Recordando o passado

Tempos de trabalho voluntário

Tania e Rafa

Eddy e seus estranhos confortos

Amadeo e os mistérios de seu exílio.

Relembrando amarguras...


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