terça-feira, 16 de junho de 2015

Resenha de Filme - Artigas, La Redota.

Artigas, La Redota. Revivendo Um Mito Esquecido.
Um filme uruguaio lançado em 2013, que fala de um de seus grandes heróis nacionais, José Artigas. Essa é a bela história de “Artigas, La Redota”, dirigido por Cesar Charlone. Aqui, o mito do general caudilho que se misturava com o povo é mais exaltado do que nunca. Um filme para inflar o patriotismo uruguaio em todos os seus sentidos.
A história se passa em dois momentos. Em 1884, o pintor Juan Manuel Blanes (interpretado por Yamandú Cruz) recebe uma encomenda do governo uruguaio para fazer um quadro que retratasse o general José Artigas, que teve um peso relativamente grande na luta pela independência do Uruguai, mas que era até então uma figura desconhecida. Para poder pintar um rosto para Artigas, Blanes somente tinha algumas anotações e desenhos provenientes da época do êxodo de Artigas no interior do atual Uruguai, cercado por portugueses ao norte, tentando estabelecer a Província Cisplatina, e portenhos centralistas ao sul. Artigas, adepto de um federalismo, não teve outra opção a não ser recuar, episódio que ficou conhecido como êxodo nas histórias argentina e uruguaia. Ele formou um grupo de cerca de oito mil pessoas, onde havia todos os estratos sociais, indo de fazendeiros, passando por militares, chegando até aos mais humildes, índios e escravos negros. Guzmán Larra (interpretado por Rodolfo Sancho), um espanhol realista capturado pelos portenhos, foi usado como espião para se infiltrar no grupo de Artigas. Enquanto Larra penetra no território da banda oriental, ele vai tomando contato com as pessoas da região e percebe que a elite mais rica abomina Artigas, dada a sua proximidade com os mais pobres. Ao chegar aos exilados de Artigas, ele descobre uma comunidade que, se num primeiro momento apoia o Rei Fernando VII da Espanha contra Napoleão, que o aprisionou, num segundo momento começará a lutar por sua independência, pois até em plena Espanha surgiram grupos revolucionários que não mais reconhecem a autoridade de Fernando VII.
E a figura de Artigas (interpretado por Jorge Esmoris) no filme? Ele é um homem cheio de virtudes, com bom relacionamento com todos, obedecido e respeitado por todos. Um homem que participava de rituais indígenas e teve um filho com uma índia. É o protótipo do herói perfeito, sem qualquer defeito ou preconceito, avançadíssimo demais para seu próprio tempo. Sabemos que tais rótulos em história são praticamente impossíveis. Todo mundo sempre tem algum defeito. Mas a figura de Artigas era devidamente valorizada, pois o filme dava a entender que, até o fim do século XIX, ele era uma figura praticamente esquecida e precisava ser exaltada. O filme embarca justamente nessa tese, a do herói esquecido que precisa ser reconhecido.
Alguns detalhes relacionados à história devem ser mencionados aqui. É muito curioso que Blanes, ao retratar Artigas, tinha apenas frases anotadas e esboços desenhados por Larra. Assim, o pintor “criou” um rosto para Artigas, que passou a ser sua imagem oficial, presente nos livros de História e publicações do governo. Ou seja, o rosto de Artigas foi inventado, não se sabendo como era sua real fisionomia. Mais ou menos o que aconteceu com nosso Tiradentes, que é retratado pelos livros de história como tendo longos cabelo e barba, aproximando-o da imagem de Jesus Cristo (os registros escritos do dia de seu enforcamento falam de um homem sem barba e de cabeça raspada). Obviamente que Blanes não gostou da ideia, mas o presidente uruguaio da época não estava preocupado com fidelidade histórica, mas sim suprir da forma mais rápida possível a necessidade de se ter um símbolo pátrio de unificação nacional, qualquer que ele fosse.

Apesar dessa construção histórica que coloca Artigas no panteão dos grandes heróis da América, o filme merece ser visto, pois ele chama a atenção de como foi complexo o processo de independência dos países latino-americanos do cone sul. E, ao contrário de nós, que vemos a história do Brasil muito destacada da América Latina, o mesmo não acontece aqui, pois portugueses e negros fazem parte do Universo histórico da Argentina e do Uruguai no filme. Outro elemento de destaque está nos créditos finais, onde podemos ver mais pinturas de Blanes, essas todas exaltando figuras humildes daquela sociedade, inspirado pelos escritos e esboços de Larra enquanto esteve no êxodo de Artigas em La Redota. Um belo filme histórico que, muito provavelmente no futuro e com o avanço das pesquisas históricas, será devidamente desconstruído. Mas nem por isso, a visão romântica do caudilho será desvalorizada e deixará de despertar certa paixão por seu espírito libertário.

Cartaz do filme

Artigas, o grande herói uruguaio.

Um homem que respeitava todos os estratos sociais.

Índios faziam parte de seu grupo...

... e, como o filme mostra, Artigas teria tido um filho com uma índia.

Um líder respeitado por todos

Larra foi enviado pelos portenhos (os futuros argentinos) para espionar Artigas.

O pintor Juan Manuel Blanes

Nas coletivas de imprensa da vida.

O quadro de Artigas que Blanes produziu para o governo uruguaio.

Mas Blanes também retratou os menos favorecidos...

A minha preferida de Blanes. A paraguaia chorando a destruição de seu país após a guerra contra o Brasil. Delicado e tocante, nos faz pensar sobre todos os absurdos que a guerra provoca...







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