terça-feira, 21 de abril de 2015

Resenha de Filme - Timbuktu

Timbuktu. Violência Em Nome De Deus.
Um interessante filme vindo da África, mais especificamente da Mauritânia, dirigido por Abderrahmane Sissako, passou por nossas telas. “Timbuktu” concorreu esse ano ao Oscar de melhor filme estrangeiro e trata de uma cidadezinha no interior da Mauritânia onde um grupo radical islâmico governa com mão de ferro. Os integrantes desse grupo baixam várias leis baseadas em suas interpretações do Alcorão. Assim, mulheres são obrigadas a usar luvas para não deixar suas mãos expostas, homens precisam usar as calças com tamanho mais reduzido para as pernas ficarem expostas, ninguém pode se aglomerar às portas de suas casas para ficar à toa conversando, meninas não podem falar ao celular, etc., sob a pena de serem levados presos, irem a julgamento e serem punidos com chibatadas. Músicas, inclusive religiosas, são também proibidas. É muito difícil se rebelar contra tal grupo, pois seus integrantes estão fortemente armados. O único homem que fala de igual para igual com o grupo é o líder religioso local, que questiona abertamente as leituras que os radicais fazem das escrituras sagradas, dando um significado mais harmônico e pacífico para as interpretações do Alcorão. Sua serenidade é um contraponto às visões radicais e é a grande virtude do filme, onde fica bem claro que o fundamentalismo não é a caraterística preponderante no islamismo. Os atos radicais são contestados, usando como argumentos as próprias palavras de Alá. Quando os radicais invadem o templo religioso, onde todos rezam, para divulgar as novas leis, o líder os expulsa, pois eles cometem a enorme blasfêmia de terem entrado armados lá. O líder religioso questiona o grupo inclusive usando a argumentação de onde está a compaixão e o perdão presentes nas palavras de Alá. Tais características tornam essa película mais reflexiva, relativizando os valores da cultura islâmica e não caindo na fácil armadilha da demonização dos muçulmanos, criando estereótipos baseados na pura e simples exposição de um fundamentalismo.
Além dessa virtude, o filme tem mais ainda a nos oferecer. Temos aqui também um drama familiar, onde um criador de vacas que mora longe do povoado tem uma vida pacata com sua esposa, filha e um menino pastor das vaquinhas. A mais valiosa delas é chamada de GPS e o menino pastor as leva para o rio próximo para beber água. Deve ser dito aqui que a região onde está a cidade de Timbuktu é de desertos e o rio, apesar de muito raso, é a mais importante fonte de água da região. Mas um pescador coloca lá suas redes, achando-se o dono do local. Na hora de beber água, GPS se enrola nas redes e é morta pelo pescador. O criador de vacas vai, então, tomar satisfações com o pescador e acaba matando o dono das redes depois de uma briga. Obviamente, será preso pelos fundamentalistas e condenado à morte. O ato de atacar o pescador foi uma espécie de reação por parte do criador de vacas às humilhações impostas pelos radicais. Alguns deles, inclusive, rodeavam sua tenda no deserto quando a esposa estava sozinha, chegando a cortejá-la. O criador de vacas sabia que ia morrer, mas a única coisa que realmente lhe causava dor era o fato de que não ia mais ver a sua filhinha.
O filme também tem a virtude de criar um diálogo entre a tradição e a modernidade. Todos se comunicam por celular, até o criador de gado com a sua esposa. Sua melhor vaca se chama GPS. Os rapazes de Timbuktu discutem sobre futebol e sobre até uma suposta venda da Copa do Mundo para a França em 1998 por parte do Brasil em troca de um contêiner de arroz para o nosso país, já que para o povo de Timbuktu, o Brasil é um país muito pobre (risos de ironia e de fundo de verdade, já que realmente ainda temos muita gente abaixo da linha de pobreza). A proibição da bola de futebol por parte dos fundamentalistas criou uma linda sequência onde os rapazes da cidadezinha jogavam futebol com uma bola imaginária, num balé que é uma verdadeira declaração de amor ao esporte. Mesmo nos confins da África, a camisa de Messi, do Barcelona, estava lá.
O filme também enfoca o aspecto da loucura como ato libertador. A única mulher do povoado que não sofria qualquer represália dos fundamentalistas, não usava burka ou luvas e se vestia de forma multicolorida, era uma idosa dada como louca. Andando com um galo (???) debaixo do braço, a mulher cantarolava e dançava livremente pela cidade, sob os olhares indiferentes dos radicais, que acharam que ela tinha simplesmente pirado na batatinha. Mas aí fica a pergunta: será que a mulher pirou mesmo? Ou era uma estratégia para fugir de uma loucura bem maior? Até porque, em contrapartida, as moças bonitas muito sofriam, pois eram simplesmente obrigadas a casar com os fundamentalistas, sob as mais diversas ameaças de violência.

Por essas e por outras, “Timbuktu” é um excelente filme, pois relativiza nossa visão plana do islamismo, tem um interessante drama e faz um bom diálogo entre a tradição e a modernidade.


Cartaz do filme



Uma cidadezinha governada por radicais.



Repressão às mulheres da cidade.



Mulher enfrentando o autoritarismo...



Futebol sem bola...


Um líder religioso que peita os radicais.



Uma família feliz, longe de tudo..


Uma briga que terminará em morte. 



Resignação com a morte iminente e a dor de não poder mais ver a filha.



Uma esposa desolada com a perda do marido.



África em Cannes!!!!

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