terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Resenha de Filme - O Menino e o Mundo

O Menino e o Mundo: Imagens sem Palavras.
A animação brasileira “O Menino e o Mundo” é uma grata surpresa de nosso cinema. Uma ressurreição do cinema mudo, que trata de temas altamente complexos, numa linguagem fácil e acessível para o público infantil. Tudo isso com um acompanhamento musical de profissionais como Naná Vasconcelos e Emicida.

O filme conta a história de um garotinho de interior que vê o seu pai abandonando a família para tentar a sorte na cidade grande. Inconformado com a partida do pai, o menino viaja atrás dele e ganha o mundo, encarando de frente todas as injustiças contidas nele. Assim, ele encontra uma lavoura de algodão e a exploração do trabalhador no campo, onde empregados já doentes são simplesmente descartados pelo capataz da fazenda. Panfletos que prometem um mundo melhor para os trabalhadores em fábricas de tecidos na cidade, para onde o algodão cultivado no campo vai, levam nosso herói ao meio urbano, onde ele conhece a realidade das favelas, da propaganda consumista, do violento aparelho de repressão do estado (representado na batalha entre o pássaro negro, símbolo do governo, e o pássaro colorido, manifestação da cultura e alegria populares) e a manipulação de informações por parte da mídia televisiva. Ainda, a tecnologia e a mecanização que aumenta os lucros do grande patrão, mas aumenta o desemprego e a miséria. Muito curioso é perceber para onde o tecido vai, saindo em contêineres do porto e sendo “abduzidos” por discos voadores com cidades paradisíacas à la “Elysium”, numa alusão metafórica aos países desenvolvidos, que transformam o tecido em roupas requintadas, que retornam ao país dentro das vitrines das lojas, sendo uma referência clara ao subdesenvolvimento e à dependência econômica com relação aos países desenvolvidos. Outro detalhe digno de nota ocorre quando o menino chega à estação de trem e vê seu pai. Mas aí ele percebe que todas as pessoas que saem do trem são iguais ao seu pai, numa clara idealização de que todos os retirantes são iguais, empurrados ao meio urbano por todas as mazelas. Ainda, o filme também associa com maestria a depredação do meio ambiente à exploração capitalista. Todos esses temas são apresentados, como foi dito acima, sem um diálogo sequer. Os diálogos que aparecem no filme eram apenas sons incompreensíveis, que lembravam as falas da professora do Charlie Brown nos desenhos do Snoopy. Toda a linguagem, toda a expressão das ideias do filme estão única e exclusivamente na materialidade das imagens, numa animação ao mesmo tempo sofisticadíssima e muito singela e delicada. Tudo isso produto do nosso Cinema Brasileiro, esse com B maiúsculo. Vale muito a pena dar uma conferida nesse desenho. É de emocionar. Ah, esqueci de mencionar outro fato. O garoto, ao longo de sua viagem, encontra dois personagens: o trabalhador do campo, velho e doente e o trabalhador da cidade que vive na favela e precisa viver do lixão quando fica desempregado. Vemos ao fim do filme que esses personagens nada mais são do que o próprio garoto, que também terá que abandonar sua casa para tentar a vida na cidade. Assim, ao sair em busca de seu pai, o menino se encontra a si mesmo nas várias situações que o mundo capitalista injusto irá lhe impor. Não é nada, não é nada, mas tenho a impressão de que estamos presenciando o surgimento de uma obra prima do nosso cinema, que poderá ser muito celebrada no futuro. Por isso, não percam a chance de ver e ter esse filme!!!

Cartaz do Filme: animação brasileira sofisticadíssima, singela e delicada.


No lixão: vilania do meio urbano (note as favelas como gigantescas torres).


Melancolia no barraco depois de um dia exaustivo de trabalho.


A cidade grande


O campo multicolorido.


A despedida do pai: a faces dos personagens dizem tudo direto ao nosso coração.

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