terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Resenha de Filme - 12 Anos de Escravidão

12 Anos de Escravidão. 9 Oscars.
Mais um filmaço na noite do Oscar. Esse talvez seja o melhor de todos. Embora a temática racial nos Estados Unidos pareça ser um tema já muito batido, o assunto pode ser visto como uma fonte inesgotável. E é isso que sentimos no excelente “12 Anos de Escravidão”, de Steve McQueen, que já ganhou o Globo de Ouro de melhor filme. Mau sinal para a premiação do Oscar. Tomara que eu esteja enganado.
Esse filme é baseado na história real de Solomon Northup (interpretado por Chiwetel Ejiofor), um homem negro livre que é músico e tem uma vida bem burguesa com sua família, isso em meados do século XIX nos Estados Unidos. Um dia, ele recebe a proposta de empregos de uns homens que dizem ser donos de um circo e precisam de alguém que toque violino, justamente o instrumento de Solomon, que aceita a oferta. Ele irá jantar com esses homens num restaurante e vai exagerar na bebida, perdendo a consciência. Na verdade, Solomon cai numa armadilha, onde vai ser sequestrado para ser escravizado e vendido o que, segundo a história apresentada, pareceu ser uma prática bem comum na época. Assim, vemos Solomon, um homem livre e com estudo, presenciar todos os horrores da escravidão, lutar para sobreviver nesse meio e bolar estratégias para reaver sua liberdade. O filme tem o enorme mérito de analisar a escravidão de forma bem fria mostrando os horrores dos castigos corporais em detalhes, mas não sem mostrar um certo indício de paternalismo que os senhores tinham para com os seus escravos, dentro de uma lógica de Antigo Regime em que o mesmo pai que pune e castiga é o pai que ama e protege. Dessa forma, vemos senhores que chicoteiam impiedosamente seus escravos, mas também os abraçam como um pai que abraça os filhos. Ainda, vemos senhores usando escravas como objetos sexuais, o que despertava a ira das senhoras que mutilavam as escravas sem dó nem piedade, e principalmente no rosto, para deixarem suas faces cheias de marcas. A forma como os escravos eram vendidos nos mercados também chama a atenção, onde mães e filhos são separados e seres humanos são tratados como mercadorias (“esse é forte e trabalhador”, “esta faz bons serviços domésticos”, “esse menino é ágil e esperto”, “essa menina é mais clarinha e pode me dar muito dinheiro”, etc.). Vemos capatazes negros estalando chicotes sobre escravos nas plantações de algodão (algo que acontecia muito: os negros a serviço dos senhores punindo negros, onde até o nosso protagonista letrado e refinado é obrigado por seu senhor a chicotear uma colega). O caso de negras que casam com seus senhores e têm uma vida de senhoras também é registrado no filme, mostrando como a escravidão é um fenômeno complexo, afetando estruturas e relacionamentos sociais. Talvez esse tenha sido um dos filmes mais historicamente fidedignos com relação ao tema da escravidão. Daí a sua importância.
E os atores? Chiwetel Ejiofor, nosso protagonista Solomon, foi muito bem. Ele realmente convence ao mostrar todo o seu estado de choque quando entra em contato com as violências que sofria como escravo. Benedict Cumberbatch (olha aí nosso Khan de novo!) fez um senhor de escravos mais “bonzinho”, digamos assim (se bem que, quando o bicho pegava, ele pensava mais em seu umbigo). Mas a interpretação de Cumberbatch foi ofuscada pela de Michael Fassbender, que fez o senhor de escravos Epps, a melhor materialização desse “paizão” de Antigo Regime, capaz das maiores violências e sadismos, num contraste bem marcante com os (poucos) gestos de carinho que tinha para com os seus cativos. Quem não conhece a complexidade da escravidão pode achar que seus poucos gestos de carinho eram o resultado de uma mente insana, mas os estudos históricos realmente apontam para uma visão paternalista do senhor de escravos, apesar de todas as violências que praticava. Ainda com relação aos atores, um destaque especial deve ser dado a Lupita Nyong’o, que faz a escrava Patsey, e concorre ao Oscar de atriz coadjuvante. Patsey era a preferida de Epps, por ser a que mais colhia algodão todos os dias (mais de duzentos quilos diários!) e era usada como objeto sexual de Epps, o que despertava a ira de sua esposa e imprimia-lhe as piores violências como dar uma garrafada na cabeça da mocinha ou rasgar-lhe o rosto com as unhas. A escrava chega a pedir a Solomon que a mate para se livrar daquela vida horrível, mostrando outra estratégia que os escravos usavam contra a escravidão, que era dar fim à própria vida. Ela inclusive será açoitada por Solomon a mando de Epps, pois este, numa crise de ciúmes, acaba lhe imprimindo o castigo. Um detalhe interessante parte da esposa de Epps, que alerta o marido sobre a expressão de ódio que os negros têm para com os brancos e o medo de uma revolta escrava, numa menção velada ao chamado haitianismo, que foi uma espécie de medo que os brancos sentiram dos escravos negros, pois em 1803, na colônia francesa do Haiti, os escravos se revoltaram, matando todos os brancos da ilha e formando uma república independente (foi o primeiro país do continente americano a conquistar sua independência depois dos Estados Unidos). Essa revolta escrava haitiana despertou um receio de que escravos de outras partes do continente também se revoltassem. E a esposa de Epps, na sua ânsia de vingança contra Patsey acaba fazendo menção a um perigo de revolta escrava (lembremos que a história do filme se passa na década de 1840, portanto, cerca de quarenta anos depois da revolta haitiana).

Só espero que as conquistas no Globo de Ouro não tirem “12 Anos de Escravidão” da briga pelas estatuetas. É mais um filme fundamental, mais um filme de denúncia, mas talvez um dos melhores concorrentes ao Oscar desse ano de 2014. Ele merece cada uma das nove estatuetas a que concorre e, como eu sempre digo com os filmes muito bons, “é para ver e ter”. Ah! E também tem o Brad Pitt!!! Mas nunca ele me pareceu tão irrelevante...

Cartaz do Filme.


Solomon. Expressão de Choque.


Fassbender arrebentou!!!!


O diretor Steve McQueen. Nome de ator de ação.


Patsey. Personagem que provoca muita comoção.


 Nosso Khan ofuscado.


Brad Pitt. E daí?

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