quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Resenha de Filme - Infância

Infância. Memórias De Domingos De Oliveira.
O renomado diretor Domingos de Oliveira está de volta com mais um filme. “Infância”, como o próprio título denuncia, tem um quê autobiográfico que se remete a um Rio de Janeiro dos tempos de Carlos Lacerda, Getúlio Vargas e Samuel Wainer. Numa suntuosa mansão, cuja Dona Mocinha (interpretada magistralmente por Fernanda Montenegro) controla a vida de seus filhos, genros e netos com mão de ferro, temos uma reprodução microcósmica de uma sociedade conservadora e tradicional. No meio disso tudo, o pequeno Rodriguinho (interpretado por Raul Guaraná), alterego do diretor, se ressente da perda de sua cachorrinha que morreu comendo bolinhas de naftalina. Rodriguinho também quer se lembrar de seu falecido avô, que o tinha como seu neto favorito. O menino leva uma vida mergulhado nos livros, jogos de xadrez e aulas particulares com uma formosa professora (interpretada por Maria Flor). A forma conservadora como era educado o isolava de uma infância normal com escola e amigos. Enquanto isso, Dona Mocinha fazia questão de escutar um programa de rádio com um discurso de Carlos Lacerda, ativo opositor direitista do governo Vargas, obrigando toda a família a fazer o mesmo, que admirava o jornalista mais pela “performance” de sua oratória do que pelo conteúdo de seu discurso, embora todos concordassem com ele. É desnecessário dizer que as figuras de Vargas e Wainer eram totalmente execradas nessa casa tradicional. Mas nem tudo é unanimidade nessa família. O filho de Dona Mocinha (interpretado por Ricardo Kosovski) é desquitado e tem um filho totalmente agressivo. E o pai de Rodriguinho (interpretado por Paulo Betti) faz negócios com os imóveis de Dona Mocinha sem autorização, vendendo apartamentos da matriarca no Andaraí e comprando terrenos no “fim de mundo” que era o Leblon. E assim, sem mais spoilers, Rodriguinho vai recordando de sua infância.
Esse filme é baseado na peça “Do fundo do lago escuro”, escrita por Oliveira em 1977, como o diretor faz na maioria das vezes, adaptando suas peças para o cinema. Além de um certo tom nostálgico com o Rio de Janeiro dos anos 1950, o filme tem como característica principal radiografar a elite conservadora da sociedade daquela época e suas neuras. A figura da mãe que interferia na vida de todos, de forma praticamente “absolutista”, onde todos tinham que se submeter aos seus gostos, opiniões e caprichos. A família certinha, com um nome a zelar, da esposa submissa ao marido, espelhada nos pais de Rodriguinho. O filho que se perdeu ao se desquitar de sua mulher, o que fez com que o netinho se tornasse um perturbado por ter uma família fora dos padrões e agredir gratuitamente a torto e direito. A empregada (interpretada por Nanda Costa) amparada por um caseiro mais velho, seu futuro marido, cujo casal é criticado pela matriarca pela diferença de idade, mas mesmo assim, tolerado de uma certa forma, como se as classes mais baixas, pela sua própria condição, não precisassem, obrigatoriamente, passar pelo crivo dos valores das sociedades tradicionais, dado o seu “baixo nível”.
Uma coisa que sempre chama a atenção em filmes de época é a reconstituição do passado, seja no vestuário, penteado, maquiagem e locações. E esta foi impecável no filme, muito bem trabalhada, o que dá um conteúdo estético fascinante, tornando a película uma coisa bonita de se ver. Nesse ponto, o filme foi perfeito.

Dessa forma, “Infância” foi uma boa produção de Domingos de Oliveira, recuperando a credibilidade de seu cinema, que tinha sofrido alguns arranhões em seus últimos filmes. Mérito pela reconstituição de época. Mérito pela visão crítica de uma antiga sociedade. Mérito pela boa escolha do elenco (uma Fernanda Montenegro sempre ajuda muito). Um filme que vale a pena ver e ter.

Cartaz do filme

Uma família bem comportada.

Dona Mocinha. Matriarca com mão de ferro.

Rodriguinho e sua professorinha

A empregada que encanta.

A mesa tradicional

Domingos de Oliveira.

Montenegro e Oliveira na divulgação do filme...

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