terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Resenha de Filme - Jogos Vorazes, A Esperança Parte 1

Jogos Vorazes, A Esperança, Parte 1. Futuro Repleto De Alegorias Do Passado.
Eu confesso que não conheço muita coisa de “Jogos Vorazes”. Sei que é inspirado num best-seller teen, que já estamos no terceiro filme (eu não vi o primeiro, mas vi o segundo) e que fala de um futuro onde há um lugar chamado Panem com um governo central numa capital e há uma divisão em doze distritos totalmente subjugados pelo poder central. Os tais jogos vorazes seriam batalhas de morte entre adolescentes escolhidos aleatoriamente (dois por distrito) para entreter a população num verdadeiro espetáculo televisivo. Num desses distritos, a irmã de uma das escolhidas, Katniss (interpretada por Jennifer Lawrence), se oferece como voluntária para protegê-la. Katniss terá a companhia de Peeta (interpretado por Josh Hutcherson), por quem se envolve emocionalmente. No segundo filme, o casal de jovens já é visto como uma ameaça ao poder da capital. Num primeiro momento, a coisa não me interessou. Achei o segundo filme um tanto exótico, principalmente nos figurinos da elite da capital. Exotismo perfeitamente explicável como veremos abaixo. Como eu vi esse segundo filme, me incumbi de ver a continuação, que saiu recentemente nas telas, sem muita esperança de ver algo que prestasse. Ledo engano. “Jogos Vorazes, a Esperança, Parte 1” é um filmaço, já que a história sai das arenas e do establishment do governo da capital, tornando-se uma verdadeira guerra civil. Há um décimo-terceiro distrito que se rebela contra a capital e Katniss torna-se uma espécie de símbolo da rebelião. Peeta, por sua vez, fica em poder da capital. Há um atroz duelo de mídia, onde tanto Katniss quanto Peeta são usados como ícones pelos dois lados. Esse duelo mídiatico é um aspecto muito interessante da historia, pois vemos isso como uma parte de nossa realidade, onde ícones são produzidos de forma artificial pela mídia todos os dias. Nosso mundo está cheio de celebridades que são fabricadas e que simplesmente desaparecem quando não interessam mais a quem as cria. Peeta e Katniss são exatamente a manifestação disso. São ídolos criados em estúdio, editados de acordo com os interesses de quem os manipulam, sejam os vilões da capital, sejam os mocinhos do 13º distrito. Ambos os lados usam as mesmas armas midiáticas, algo visto hoje em dia tanto nos governos capitalistas ocidentais quanto em grupos terroristas. A visão da guerra de informação contemporânea se materializa neste best-seller juvenil. O mais curioso é que o filme tem uma postura crítica com relação a essa guerra midiática, pois as melhores tomadas de Katniss e que fazem mais sucesso junto ao publico são aquelas em que a moça se manifesta espontaneamente, seja quando ela canta na beira do rio uma canção de resistência (mesmo que ela tenha sido editada) ou quando presenciamos suas palavras sinceras de indignação e revolta ao ver um hospital incinerado por forças aéreas da capital. Outra crítica ao contexto midiático reside justamente no exotismo e extravagância mencionados acima, com os figurinos exagerados fazendo parte do espetáculo de entretenimento, onde nem o presidente Snow (interpretado pelo excelente Donald Sutherland) escapa.
Mais um aspecto interessante da trama reside na violência imposta pela capital aos distritos, onde execuções são transmitidas ao vivo e pilhas de cadáveres carbonizados se acumulam em distritos destruídos. Alusões claríssimas a muitos momentos de nosso passado, indo desde a truculência dos reis absolutistas do Antigo Regime, que matavam e esquartejavam publicamente quem se revoltava contra o rei, passando pelas execuções transmitidas pela TV e em praças públicas que até hoje acontecem em alguns países, e chegando aos campos de extermínio nazistas ou às vítimas das bombas atômicas da Segunda Guerra Mundial, sem esquecer dos massacres em países subdesenvolvidos acometidos pela guerra fria como o Camboja, onde o governo do Khmer Vermelho assassinou populações inteiras, com esqueletos encobrindo leitos de rios. Os próprios jogos vorazes são uma reedição da política de pão e circo da Roma Antiga, onde os espetáculos de gladiadores em batalhas até a morte eram o principal meio de diversão da população para que ela não se revoltasse contra os imperadores. Como podemos ver, a saga “Jogos Vorazes” torna-se uma compilação de muitas coisas que vemos em nosso mundo real com o passar dos anos, confirmando aquela máxima de que “ninguém é filho de chocadeira”. Na velha tensão entre paráfrase e polissemia, vem a certeza de que “para se falar algo novo, temos que repetir algo velho primeiro”. Assim, Panem nada mais acaba sendo que um decalque de nosso mundo real, tanto do presente quanto do passado. As revoltas dos distritos contra os guardas da capital são outro elemento que chama a atenção, pois nos lembram também de movimentos revolucionários e lutas pela liberdade no passado, onde muitas pessoas sacrificaram suas vidas em nome de uma causa. E o filme exibe o massacre de revoltosos de uma forma nua e crua.
A trama também se ampara num grande elenco. Nomes como Jennifer Lawrence, da nova safra de queridinhos de Hollywood, são acompanhados por medalhões como Donald Sutherland, Philip Seymour Hoffman (sempre ele!), Woody Harrelson e Julianne Moore. Vou sempre defender aqui a tese de que blockbusters acabam tendo mais credibilidade com a presença desses medalhões, embora esse mais recente “Jogos Vorazes” não dependa tanto dos mirabolantes e computacionais efeitos especiais, pois tem uma boa trama para contar.

Assim, a grande diversão de “Jogos Vorazes, a Esperança Parte 1” fica por conta de identificar todos esses elementos mencionados acima e perceber de quais fontes as situações do filme foram extraídas. Ah, e ainda haverá a continuação, pois tais filmes sempre terminam em aberto, o que deixa a gente sempre ansioso para continuar a assistir.

Cartaz do filme

Katniss perplexa com os feridos do hospital.


Atacando a força aérea da capital.

Peeta sob o domínio do Presidente Snow

Julianne Moore como a Presidente Coin.


Peeta parece estar dividido.


Figurinos altamente exóticos. Espetáculo televisivo.


Mais uma vez Philip Seymour Hoffman dá o ar de sua graça. 


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