sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Resenha de Filme - O Físico

O Físico. Loucas Aventuras De Um Médico Inglês No Oriente Médio.
Um bom filme histórico em circuito. “O Físico”, infelizmente, começa com uma tremenda barbeiragem na tradução. O título original do filme é “The Physician”, que significa “O Médico”. E a nossa tradução ficou “O Físico”, quando físico em inglês é “Physical”. Pegou muito mal. Teve gente perguntando na fila do cinema se era filme sobre o físico Stephen Hawking, provavelmente em tom de gozação. Mas voltemos ao filme. Ele é baseado no romance de Noah Gordon e conta a história de um rapaz inglês, Rob Cole (interpretado por Tom Payne) que vive em Londres no século 11 e que perdeu a sua mãe por causa de uma doença conhecida como “doença do lado”. Rob irá viver com um barbeiro (interpretado por Stellan Skarsgard), que também ganha a vida vendendo supostos remédios milagrosos. Devemos nos lembrar do contexto da Europa Medieval, onde a medicina e as condições de higiene eram muito pouco desenvolvidas. Um dia, o barbeiro contraiu catarata e ficou nas mãos de médicos judeus, fazendo uma pequena operação que trouxe-lhe de volta a visão. Muito curioso, Rob, que já era um estudioso da medicina, perguntou como aqueles médicos conseguiram acesso a uma ciência médica tão desenvolvida. Eles então lhe disseram que aprenderam o que sabiam numa cidade do Oriente Médio e que um dos melhores professores era Ibn Sina (interpretado pelo sempre excelente e magistral Ben Kingsley). Rob então iniciará uma viagem para o Oriente Médio, ávido por ser aluno de Ibn Sina. Mas essa empreitada será muito perigosa, já que Rob é cristão e poderá sofrer perseguições dos muçulmanos. Por isso, ele irá disfarçado de judeu, povo mais aceito pelos árabes. Nosso protagonista, inclusive, terá que fazer uma circuncisão a sangue frio para seu disfarce convencer.
O filme aborda um tema muito interessante, que é o desenvolvimento tecnológico e as condições de vida na Europa Medieval, em detrimento de um nível tecnológico bem maior no mundo muçulmano do Oriente Médio. Enfatizar essas diferenças nos ajuda a eliminar certos preconceitos com relação aos muçulmanos. Era muito interessante perceber a escola de Ibn Sina, com direito a muitos livros e a citações de gregos antigos. Mas, mesmo com todo o desenvolvimento científico, a componente religiosa se fazia presente. Se Rob queria dissecar cadáveres, Ibn Sina dizia que isso era pecado nas três religiões reveladas (a muçulmana, a cristã e a judaica). A componente religiosa acaba, infelizmente, abrindo um precedente para alimentar alguns preconceitos. Se o filme parecia um bom exemplo de expressão de uma visão culturalista, ela cai por terra ao reproduzir certos estereótipos que o Ocidente produz sobre o Oriente. A Escola é no Oriente Médio e tem professores árabes muçulmanos como Ibn Sina? Sim. Mas a maioria dos estudantes é composta de judeus. Ainda, há um grupo de Imãs e Mulás que vê a visão científica da escola como uma afronta a Alá. Ainda, há uma tribo fundamentalista que quer invadir a cidade para instituir uma ditadura teocrática e derrubar o governo do Xá que persegue esse fundamentalismo religioso. Qualquer semelhança com o Irã do contexto da Revolução Islâmica de 1979 NÃO é mera coincidência. Ou seja, mesmo que a escola seja de origem árabe, a maioria judaica de alunos parece querer nos dizer que esse povo teria mais relações com um conhecimento científico do que os muçulmanos, retratados como fundamentalistas. O árabe que lutava contra esse fundamentalismo era justamente o Xá, assim como o Xá do Irâ, Reza Pahlevi, que lutava contra a Revolução Islâmica e era aliado dos Estados Unidos. Assim, infelizmente esse filme reproduz o estereótipo do judeu civilizado e do muçulmano bárbaro e intransigente, quando tinha em mãos uma oportunidade única de lançar mão de um enfoque mais culturalista que ajuda a questionar preconceitos.

De qualquer forma, o filme atrai muito a atenção, pois mostra ideias presentes no Oriente Médio do século 11 que só desabrochariam na Europa renascentista do século 14. É uma história que vale a pena ser assistida, mesmo que carregada de alguns preconceitos.

 
Cartaz do Filme. Erro de tradução...


Ainda na Europa, Rob (de azul) quer se desenvolver como médico.


Em viagem pelo deserto para chegar ao Oriente Médio.


Ibn Sina, o grande mestre.

Rob cuida da amada nas violentas epidemias

Conhecendo o poderoso Xá.


Fazendo cirurgia no Xá.

2 comentários:

  1. Na verdade, o erro já tem seu início no título do livro, que aqui, como no filme, chamou-se "O Físico". E isso nos finais da década de 1980. Teme-se que o resto da tradução tenha sido tão horrorosa quanto a do título. Mas não: a tradução é boa. Quem lê o livro, fica frustrado com o filme (como quase sempre acontece com adaptações, salvo honrosas exceções que confirmam a regra). Vale a pena ler o romance que deveria ter o título "O Cirurgião".

    ResponderExcluir
  2. O filme carrega o titulo de "O Físico" pois naquela época os médicos também eram os físicos, não havia separação. Se prestar atenção, Ibn Sina, no começo do filme, está falando sobre Ondas Sonoras.

    ResponderExcluir