segunda-feira, 30 de junho de 2014

Resenha de Filme - Jornada nas Estrelas, o Filme (Parte 1)

Jornada Nas Estrelas. Radiografando Um Longa. O Filme.
“Jornada nas Estrelas, o Filme”. O primeiro longa da série que havia feito muito sucesso na segunda metade da década de 1960 e suas reprises na década de 1970, foi dirigido pelo consagrado diretor Robert Wise, responsável por obras como “O Dia em que a Terra Parou”, “Noviça Rebelde” e “O Dirigível Hindenburg”. Nome à altura da tão esperada ressurreição da franquia, após o fracasso de se tentar levar a série “Jornada nas Estrelas, Fase II” ao ar nas tvs. Reza a lenda que o sucesso de “Guerra nas Estrelas” levou a Paramount a optar por fazer um longa.
Dos seis longas-metragens da tripulação da série clássica, esse talvez tenha sido o mais cerebral e artístico de todos. Para relembrarmos seu enredo, uma imensa nuvem desconhecida, que consome tudo à sua frente, vai em direção a Terra. O agora almirante James Tiberius Kirk mexe seus pauzinhos para retomar o controle da Enterprise, que passou por dezoito meses de reforma. Para isso, ele terá que rebaixar Decker (interpretado por Stephen Collins), o atual capitão da Enterprise, a primeiro oficial e oficial de ciências, o que provoca conflitos entre os dois. Enquanto isso, em Vulcano, Spock atinge o Kolinahr, o expurgo total de suas emoções e o alcance à lógica total, mas ao receber a honraria, ele a recusa, pois sentiu uma poderosíssima consciência totalmente lógica em busca de perguntas. Ele se unirá à tripulação da Enterprise, que irá em direção à misteriosa nuvem e desvendar seus segredos.
Mas, o que é essa nuvem? Nela existe uma grande nave espacial, comandada por V’Ger, uma máquina que busca respostas para sua existência. V’Ger busca seu criador e quer transformar as unidades carbono que infestam a Enterprise e a Terra (os humanos) em meros bancos de dados, por serem consideradas mais uma praga do que formas de vida. Kirk e seus comandados descobrirão que V’Ger é na verdade a Voyager 6, uma sonda enviada pela NASA ao espaço mais de trezentos anos antes, que tinha a missão de coletar dados e enviá-los à Terra (ao seu criador). Por coletar uma quantidade enorme de informações e acumular conhecimentos, a Voyager 6 acabou desenvolvendo consciência. Mas a nave entrou num buraco negro, saindo do outro lado da galáxia, caindo num planeta de máquinas vivas que construiu a nave gigante para que a intrépida Voyager cumprisse sua missão. E ela retornou a Terra em busca de uma integração (física, inclusive) com seu criador. Como não recebia respostas de seu criador, já que o sinal era antigo demais e não entendido por seus criadores terrestres, a Voyager resolve acabar com todas as unidades carbono que infestam o planeta, entendidas por ela como a causa da obstrução do encontro da nave com seu criador. Nossa tripulação então tentará fazer esse contato.
Essa história foi escrita para ser utilizada em “Jornada nas Estelas, Fase II”, e enredo semelhante já havia sido utilizado no episódio “Nômade”. O longa quase teve um desfalque grave, pois Leonard Nimoy não queria participar do filme, mas depois de muitos apelos desesperados, ele aceitou. Em contrapartida, a bela Persis Khambatta, que havia interpretado a personagem Ilia na Fase II, participa do filme, assim como o ator David Gautreaux faz uma ponta como comandante da estação Epsilon 9, que foi sugada pela nuvem. Gautreaux seria o novo vulcano da Fase II, Xon, pois Nimoy não se incorporou ao cast da nova série. Xon seria totalmente vulcano e recém-saído da Academia de Ciências de Vulcano, sendo mais um fator para ressaltar o lamento pelo fracasso da Fase II.

Após esse pequeno inventário de informações sobre o primeiro longa de “Jornada nas Estrelas”, eu falarei, no próximo artigo, quais são as principais virtudes desse memorável filme. Até lá!

Cartaz do Filme: a velha tripulação de volta.


Antigos rostos, alguns novos. Figurino a desejar...


Uma maquete de três metros de comprimento para ser melhor filmada, com a câmera fazendo um travelling ao longo de sua carcaça. 


Ilia e Decker: envolvimento amoroso.


Persis Khambatta raspando a cabeça para interpretar Ilia. Choro com a perda dos longos cabelos negros.


Ilia na Fase II.


David Galtreaux como o vulcano Xon em Fase II.


E sua ponta no longa...


Enterprise e a misteriosa nuvem.

domingo, 29 de junho de 2014

Resenha de Filme - O Homem Duplicado

O Homem Duplicado. O Perigo É Um Tomar A Vida Do Outro.
Mais uma vez a literatura e o cinema dão as mãos. O filme “O Homem Duplicado” é baseado na obra homônima de José Saramago e nos bota para pensar. Vamos falar um pouco dessa trama, mas já aviso: ainda não li o livro. Dessa forma, a minha leitura do filme é meio kamikaze.
Vemos aqui a história de dois personagens de aparência idêntica. Um se chama Adam Bell e é professor de História. Outro se chama Anthony Claire e é ator de terceira categoria. A vida do professor é altamente repetitiva: mesma aula, trajeto para casa, transa incompleta com a namorada. Um dia, um amigo lhe indica um filme para ver, com o objetivo de sair da mesmice. O professor aluga o filme na locadora e fica perplexo ao ver um ator aparentemente igual a ele fazendo uma pontinha bem ordinária. Adam então mergulhou no Google para encontrar o paradeiro de Anthony.  E o mestre conseguiu o endereço e telefone do ator. O que vai se seguir é uma série de perseguições, intrigas, com desfechos trágicos e imagens cheias de simbologias.
Qual parece ser o tema central do filme? Dois homens idênticos na aparência têm comportamentos totalmente opostos. O ator é seguro de si, mulherengo e com arroubos de mau caratismo. Já o professor é inseguro, compenetrado e sensível. Foi um bom exercício para Jake Gyllenhaal, que deu a sua face a personagens tão distintos. No que essas duas figuras começam a interagir, um acaba vivendo a vida do outro, numa troca de casais que não será boa para nenhum dos dois, principalmente o ator. O único elemento que os distinguia fisicamente era a marca de aliança nas mãos do ator, percebida pela namorada do professor, que rechaça o artista durante uma transa bem tórrida. Já o professor terá uma noite de amor com a esposa do ator, que está grávida (de verdade, a atriz aparece nua com o barrigão), não sem ser tomado por um sentimento de culpa e arrependimento que atrai a mulher grávida, pois ela se ressente da falta de sensibilidade do marido.
Infelizmente, o filme deixa muitos pontos soltos que, se fossem bem amarrados, poderiam acrescentar mais qualidade à história. A suspeita de que o professor e o ator fossem irmãos, sendo que até os dois possuem a mesma cicatriz (por que? Eram siameses? Isso também não fica explicado!), foi levantada, mas mal esclarecida na visita do professor a sua mãe (interpretada por Isabela Rosselini, numa participação especial, ainda bem em forma). O medo e a insegurança do professor em relação à hipótese do ator  ser seu irmão foi outro ponto mal contado, assim como a função de uma estranha chave do ator que cai nas mãos do professor. Havia, também, a imensa aranha que aparecia em algumas partes do filme, talvez a representação simbólica do perigo do encontro dos duplos. Sei não, mas o fato de essas partes da história ficarem mal contadas podem proporcionar ao espectador grandes viagens ao interpretar o filme. Só não sei se no livro é assim.
Apesar de muito intrigante e mal explicado, “O Homem Duplicado”  merece ser visto, principalmente pelo belo trabalho de Jake Gyllenhaal, onde dois personagens idênticos em sua aparência são muito diferentes em seu interior. O perigo que circunda a troca de vida dos dois é outra característica marcante e atraente também.


Cartaz do filme. Aranha na cuca.


Professor. Vida vazia.


Um ator cheio de defeitos.


Professor e ator. Vidas em conflito.


Ator perseguindo a namorada do professor.


Professor se envolvendo com a esposa do ator.


Mestre José Saramago, o responsável por esse rolo todo...

sábado, 28 de junho de 2014

Resenha de Filme - Antes do Inverno

Antes Do Inverno. Humanos Que Se Machucam Na Busca Pela Felicidade.
Imagine um sólido casamento que entra em crise. O marido, um respeitado cirurgião, não tem tempo para a esposa, que passa o dia em casa cuidando do jardim. Um amigo do casal apaixonado pela esposa. Uma suposta antiga paciente que, de tão agradecida pelo médico tê-la salvado de uma apendicite quando era criança, manda ao doutor buquês de rosas vermelhas. Está montada a trama de “Antes do Inverno”, estrelado por Daniel Auteuil (que faz o marido e Dr. Paul), a não tão nova, mas ainda muito bela Kristin Scott Thomas (a esposa Lucie) e a belíssima Leila Bekhti (a paciente agradecida Lou).
O filme aborda algumas questões interessantes sobre relacionamentos humanos. Em primeiro lugar, o marido que é consumido pelo trabalho e não tem tempo para sua esposa. Paul entrou numa zona de conforto promovida pelo casamento estável e mergulhou no trabalho,  não sabendo muito o porquê daquela dedicação tão ávida à sua profissão. Isso provoca um incômodo na esposa que, ainda assim, aceita passivamente a situação, sendo obrigada a conviver com as internações psiquiátricas de uma irmã depressiva e, ao mesmo tempo, resistir às investidas do melhor amigo do marido, sendo que todos já se conhecem de longa data.
Em segundo lugar, como sair da rotina e zona de conforto iniciando um relacionamento fora do casamento (ainda que platônico) pode provocar muita dor em quem está à sua volta. Paul, injuriado com os buquês de rosas vermelhas constantemente enviados, começa a tratar Lou com agressividade, ao encontrá-la casualmente. Mas ele se arrepende e a procura no bar onde ela trabalha, desenvolvendo um relacionamento que mais se aproxima de uma afeição filial do que uma atração física. O excesso de trabalho o levou a um descanso forçado, onde ele teve tempo livre para encontrar Lou, o que levou Lucie a ficar cheia de dúvidas e inseguranças. É bem previsível que depois o casamento entrou em crise, pois Lucie descobriu os encontros de Lou e Paul, onde todo o sofrimento e insegurança de Lucie ficam muito evidentes.
O mau relacionamento entre Paul e seu filho, apesar de ser enfocado perifericamente, também está nesse inventário de relações humanas em crise. Brigas entre pai e filho encontram seu terreno mais fértil nas mesas de jantar da família, que acabam atingindo todos os seus membros, levando a uma saída progressiva deles da mesa, até que ela se esvazie completamente. Essa crise à mesa talvez seja a mais destrutiva de todas, pois afeta muitos familiares de uma vez. Só que, desta vez, esse não era o foco principal do filme, pois as relações extraconjugais eram o escopo principal. Entretanto, filmes como “Álbum de Família” exploraram de forma magnífica essas crises familiares à mesa.
O fim do filme é surpreendente, mas não contarei aqui. Ele apenas ratifica a ternura descompromissada entre Lou e Paul, além de mostrar mais um vacilo do médico com relação à sua esposa Lucie. Aliás, fica muito claro que Paul é um verdadeiro vacilão no trato com sua esposa.

Então, se você está interessado num filme que aborda como os seres humanos, em busca pela sua felicidade, machucam uns aos outros, “Antes do Inverno” é um ótimo instrumento para reflexão, que inclusive nos faz repensar sobre como nós mesmos conduzimos nossas relações. 


Cartaz do filme.


Kristin Scott Thomas (Lucie), belíssima.


Paul e Lou. Relação platônica.


Esposa resistindo às investidas do melhor amigo do marido.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Resenha de Filme - O Lobo Atrás Da Porta.

O Lobo Atrás Da Porta. Leituras Da Oralidade.
Mais um bom filme brasileiro. “O Lobo Atrás da Porta” é inspirado em crimes passionais ocorridos nos subúrbios do Rio de Janeiro e na Baixada Fluminense, cujo caso mais conhecido foi o da “Fera da Penha”, que matou a filha do amante e queimou o corpo da menina com álcool. O enredo do filme, em síntese, é isso. Mas há um detalhe interessante que deve ser mencionado aqui na construção da história.
E que detalhe é esse? O filme é baseado nos depoimentos que os protagonistas dão à polícia, sendo um verdadeiro exercício de oralidade, onde cada versão é confrontada contra a outra. Inicialmente, vemos os depoimentos confusos da mãe, Sylvia (interpretada pela bela Fabiula Nascimento) e da diretora da creche que, sob a pressão da polícia, não conseguem organizar seus pensamentos. Depois vemos o primeiro depoimento (mentiroso), de Rosa (interpretada por Leandra Leal, que estava no auge de sua forma física, com cenas de nudez estonteantes!), a nossa “encarnação” da Fera da Penha. A seguir, o depoimento do pai, Bernardo (interpretado por Milhem Cortaz), que procurou sair pela tangente na questão do adultério. E, finalmente, um novo depoimento de Rosa, onde ela conta como planejou o homicídio. Esse depoimento foi o fio condutor do filme, considerado a explicação verídica, mostrando uma história bem escabrosa, onde Rosa também foi vítima, embora ela reconhecesse a gravidade do crime que cometeu, a ponto de não querer nem um advogado de defesa.
As interpretações dos atores foram muito marcantes, com destaques para Thalita Carauta, que interpretou Betti, uma mulher muito barraqueira e hilária que deu um telefonema (sob pagamento da Rosa) a Bernardo dizendo uma história mentirosa, criada por Rosa, de que ele estava sendo traído pela sua esposa. Mas todos estiveram muito bem. Milhem Cortaz transitava entre o carinho e a violência, passando pelo desespero e a perplexidade, sentimentos típicos que um marido que comete adultério. Juliano Cazarré estava impecável como o policial que investigava o crime, lançando mão de falas muito engraçadas perante toda aquela situação inusitada.  Só foi uma pena ver Tamara Taxman e Emiliano Queiroz pouco aproveitados nos papéis dos pais de Rosa. Destaque deve também ser dado à fofíssima Isabelle Ribas, que interpretou a menininha assassinada.

Assim, “O Lobo Atrás da Porta” é um excelente produto de nosso cinema e vale a pena dar uma conferida, sendo baseado em crimes passionais muito chocantes e reais. Típico caso onde a arte imita a vida.

 Cartaz do Filme.


Rosa (Leandra Leal). Vítima de uma violência gerando ainda mais violência.


Milhem Cortaz como Bernardo. Voz rouca sempre funciona.


Rosa fazendo amizade com Sylvia, a mãe.


Menina inocente. Vítima de insanidades provocadas por adultério.


À beira da execução. 

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Resenha de Filme - O Congresso Futurista

O Congresso Futurista. Será Que Vai Acontecer Mesmo?
No Brasil, parece que existe uma máxima em termos de exibição cinematográfica. Quanto mais o filme desperta inquietações e reflexões, em menos salas ele é exibido. Não é à toa que esse aqui é exibido em apenas três salas. “O Congresso Futurista” é um filme que nos deixa muito perplexos (e até aterrorizados) quanto às perspectivas de dias futuros. E o sinal de alerta de que determinadas coisas não tão agradáveis já acontecem. Esse filme é baseado no livro de Stanislaw Lem, autor de ficção científica, filósofo e ensaísta, o mesmo autor do consagrado “Solaris”, que também foi adaptado para o cinema por Andrei Tarkovsky e ganhou o prêmio do júri em Cannes em 1972.
Mas por que “O Congresso Futurista” é tão inquietante? O filme conta a história de uma atriz, Robin Wright (interpretando ela própria), que já passou por seus dias de glória (chegou a fazer até um papel em “Forrest Gump”, é verdade!), mas chegou à meia idade, onde algumas escolhas erradas praticamente puseram fim à sua carreira. Seu agente, Al (interpretado pelo eficiente Harvey Keitel) a leva para o estúdio Miramount (uma espécie de híbrido entre Miramax e Paramount!) e lá recebe uma proposta inusitada do chefão Jeff (interpretado por Danny Huston): seu corpo será escaneado em todos os seus detalhes, emoções, gostos, etc. e tudo isso será de propriedade da Miramount, tornado a atriz Robin Wright virtual e eternamente jovem, sendo que a verdadeira Robin Wright não deverá mais fazer qualquer papel em qualquer lugar, apenas desfrutando sua vida. Esse contrato será de vinte anos. Como Robin estava em má situação financeira e seu filho Aaron (interpretado por Kodi Smit McPhee) sofria de uma doença grave, ela aceitou ser escaneada. O momento em que acontece isso é um dos mais lindos do filme, pois um antigo cameraman é agora o responsável por fazer o escaneamento. Mas Robin não se sente à vontade para mostrar felicidade, tristeza, perplexidade dentro do scanner. Aí entra Al, que conta detalhes íntimos de sua vida e tudo o que ele sente por Robin, conseguindo as emoções necessárias, onde tanto Al e Robin chegam às lágrimas.
O filme avança vinte anos no tempo, quando expira o contrato de Robin, e ela precisa ir ao Congresso Futurista, onde tudo existe no campo da animação. O filme torna-se, então, um grande e psicodélico desenho animado, onde Robin encontra um mundo idílico, onde todos podem ser o que sonharem, consumindo uma substância química. A própria Robin fará um novo contrato onde sua imagem será vendida como uma essa substância. Mas algumas pessoas não aceitam isso e lutam para acabar com esse falso mundo.
O que podemos falar dessa história? Em primeiro lugar, a transformação que a tecnologia impõe a algumas formas de arte, como a cinematográfica, onde os efeitos especiais são mais importantes que a interpretação dos atores, a ponto de estes últimos serem virtualizados e não mais necessários em carne e osso. Robin questiona isso, dizendo que ela não terá mais liberdade de escolha para interpretar um personagem e nem de colocar seu talento da forma como quer na hora de atuar. Argumentos que Al, seu agente, retruca dizendo que nem no mundo real ela tem essas liberdades de escolha que ela pensa ter, pois ela acaba sendo obrigada a aceitar papéis impostos pelos estúdios e a acatar as determinações dos diretores.
Entretanto, a coisa não fica somente na transformação que a tecnologia impõe às manifestações artísticas. O próprio mundo das pessoas é alterado com a tecnologia, onde visões idílicas falsas são criadas, com as pessoas consumindo substâncias químicas que as tornam o personagem que quiserem ser, perdendo sua própria individualidade (não é à toa que Robin não encontra mais seus filhos). Tal ideia é muito parecida com a de quem consome drogas para ficar doidão e esquecer das agruras da vida. O problema é que no filme, o “traficante” seria uma grande corporação, a Miramount, que não mais faz filmes, mas dopa as pessoas para que elas mesmas se transformem em filmes de seus próprios sonhos. E, enquanto isso, o mundo verdadeiro é cada vez mais decadente e degradado. Essa ideia de mundo futuro assusta muito, pois fica parecendo que é uma possibilidade bem viável que cheguemos a isso, ainda mais porque parece que já presenciamos algumas situações dessas em estado embrionário, como o excesso de efeitos de computação gráfica nos filmes, em detrimento do talento dos atores, e o uso de substâncias alucinógenas, ainda não usadas em escala industrial e legal.
Mas o filme também tem o mérito de mostrar uma animação muito bem feita, onde pelo menos as vozes dos protagonistas dão vida e personalidade aos personagens. Assim, o sumiço dos personagens de carne e osso não é de todo.

Realmente é uma pena que esse filme passe em tão poucos cinemas. Ele nos mostra uma direção que nosso mundo pode tomar, altamente idílica, mas altamente irreal, onde será melhor esperar a morte alucinado do que enfrentar as carências que a vida nos impõe. Mas será que não seria melhor buscar melhorar e desenvolver o próprio mundo real?

 Cartaz do filme


Robin Wright. Atriz decadente que será escaneada.


Sendo escaneada


Em forma de animação, num mundo idílico


Mundo real. Decadência


Harvey Keitel, como Al


Depois de escaneada, a imagem de Robin torna-se qualquer personagem


Aaron, o filho doente, que faz Robin retornar ao mundo real


O bom ator, Paul Giamatti (que interpretará Rhino em “Homem Aranha”), faz o médico de Aaron. 

terça-feira, 24 de junho de 2014

Resenha de Filme - Cães Errantes

Cães Errantes. Degradação Da Condição Humana.
O filme chinês “Cães Errantes”, de 2013, aborda um tema já muito discutido em cinema: a miséria nos grandes centros urbanos. Mas, como toda obra reflete uma interação entre paráfrase e polissemia, ou seja, entre o já dito e o ainda não dito, podemos aqui identificar uma série de peculiaridades. Vamos falar um pouco delas aqui.
A história conta a vida de uma família em Taipé, capital de Formosa, China Nacionalista e capitalista. A mãe abandona pai e um casal de filhos pequenos. O pai tem o emprego de segurar cartazes anunciando a venda de apartamentos de luxo, ficando o dia inteiro em pé na rua, suportando frio, fortes ventos e chuvas. Suas paradas para almoço ocorrem em locais ao ar livre como em terrenos baldios abandonados e no alto de viadutos. As crianças, agora sem mãe, perambulam pelos supermercados para comer amostras grátis de produtos. À noite, essa família totalmente miserável faz sua higiene em banheiros públicos e dorme num prédio abandonado. Tudo isso é contado em longuíssimos planos onde a ação se esgota totalmente. A primeira impressão é a de que o filme é muito maçante e demorado (tem 135 minutos), mas os longos planos podem ter a intenção de amplificar o estado de miséria e desalento dessa família que apenas sobrevive e vai vivendo um dia após o outro, sem qualquer perspectiva de futuro a um prazo maior. O que importa é conquistar o dinheiro de cada dia, a quentinha de cada dia, a amostra grátis de cada dia. Volta e meia, existe um pouco mais de ação, como no canto choroso do pai ao segurar o cartaz debaixo de chuva e vento, canto esse que remete a guerras ancestrais de seu povo e a dor da derrota, situação análoga a que ele passa em sua vida real. As cenas onde o pai come são também marcantes, principalmente pela sua repugnância, onde vemos o homem devorando pedaços de frango e outras comidas, no único momento onde ele ainda tem alguma espécie de prazer em sua vida. O filme também tem momentos lúdicos, onde a filhinha da família consegue um repolho e faz uma boneca com ele para deitar na cama onde todos dormem, numa tentativa de se restaurar a figura materna. O pai, ao presenciar aquela boneca, lembra-se da esposa que fugiu e começa a raivosamente devorar o repolho para depois se debulhar em lágrimas, em um dos momentos mais dramáticos do filme onde todo seu sofrimento se expressa violentamente.
Mas há um outro elemento a ainda ser acrescentado. Uma mulher que trabalha no supermercado onde as crianças perambulam, é a responsável por verificar o estado de conservação dos alimentos perecíveis. Um dia, ele sente um mau cheiro perto de um dos freezers. Examina todos os alimentos e chega à conclusão que o mau cheiro vem da menininha dessa família pobre que está ali perto. Tomada de pena, a mulher leva a garota para o banheiro, dando-lhe um banho improvisado. Curiosamente, a mulher mora no mesmo prédio abandonado, numa indicação que não somente os subempregados vivem em condições degradantes. Pessoas com empregos um pouco melhores também não conseguem coisa melhor para viver. Essa mulher irá acompanhar essa família à distância, mas ela fará uma intervenção ao perceber que o pai irá se matar e aos seus filhos ao colocá-los num barco dentro de um rio, numa noite chuvosa. A mulher pega as crianças e leva ao seu apartamento, seguida pelo pai. Uma vida nova começa para essa família graças a essa mulher. A vida fica mais confortável (o apartamento tem um banheiro, geladeira com comida, etc.), a mulher faz uma festa de aniversário para o pai que assiste, atônito, a tudo aquilo (como se ele não tivesse uma festa de aniversário há muito tempo, ou talvez nunca tivesse), a menininha finalmente pode dormir com uma figura materna novamente. O desfecho do filme faz-se num longo plano silencioso onde pai tenta se aproximar afetivamente da mulher. Não há um diálogo sequer. As lágrimas dizem tudo. Tudo isso feito perante uma imensa e bela paisagem pintada nas paredes do prédio abandonado, uma espécie de alegoria de um futuro melhor e de mais esperança, maltratada pelas más condições do lugar. Essa paisagem age de forma hipnótica em nossos personagens também em outros momentos do filme, a ponto de a mulher até urinar em sua presença somente para continuar ali.

Dessa forma, “Cães Errantes”, apesar de ser muito longo e maçante, é um filme que enfoca questões profundas da condição humana como falta de futuro, solidão, desalento, motivadas pelo jeito impiedoso que um sistema exploratório achaca as pessoas. A pouca presença de diálogos e os longos planos altamente expressivos são sua característica principal, onde a ação se esgota, mas explica todo o contexto enquanto ela perdura. Tenha paciência e dê uma conferida.

 Cartaz do filme. Paisagem mítica, que reflete uma esperança longínqua, no meio da degradação total.


Família jantando na rua.


Durante o dia, cartaz humano sujeito às intempéries.


Choros e canções ancestrais.


Mãe que abandona a família.


Devorando um repolho. Momento mais dramático. Dor pela perda da mulher.


Mulher do supermercado salva crianças do desespero do pai.


Festa de aniversário e estranhamento.


Sequência final. Imagens dizem tudo

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Resenha de Filme - Que Estranho Chamar-se Federico

Que Estranho Chamar-se Federico. Doce Caixinha de Memórias.
Excelente filme na área. O semidocumentário “Que Estranho Chamar-se Federico”, do mestre do cinema italiano Ettore Scola fala da sua relação com um dos maiores diretores da História do Cinema Mundial: Federico Fellini. E por que eu chamo de semidocumentário? Porque Scola não optou por fazer um documentário clássico, apenas com narrações, imagens de arquivo e trechos de filmes do seu amigo e ícone. Ele também tentou reproduzir e dramatizar encontros e situações que estão lá no fundo de sua memória. Vemos, sempre com a ajuda do narrador que perambula pelas imagens e conversa com você, espectador, os jovens Fellini e Scola chegando, cada um a seu tempo, no jornal em que começaram a trabalhar os seus textos e charges, a ida de Fellini ao teatro, os encontros de Scola e Fellini nos bares da vida quando eles já se conhecem mais intimamente. Tudo isso dentro de uma atmosfera que sempre nos remete aos grandes filmes de Fellini, como as ruas noturnas de Roma forradas de motos (alusão a “Roma”, de Fellini). Scola conta histórias deliciosíssimas sobre Fellini, dramatizadas e recuperadas com imagens de arquivo, o que transforma o filme numa experiência altamente íntima do espectador para com essas lendas do cinema italiano. Um exemplo disso foi a dramatização que Scola fez dos passeios noturnos de carro que ele e Fellini faziam juntos, dando carona para os mais variados tipos romanos, indo desde uma prostituta que fazia planos de abandonar a profissão para viver em outra cidade com o amado numa casa (olha “Noites de Cabíria” aí!!!!) chegando até a um artista que reproduz com giz no chão grandes obras da arte universal, que desdenha do cinema (apenas a sétima arte) e está atormentado porque não consegue fazer as mãos de suas pinturas na proporção certa (ou muito pequenas ou muito grandes). Esses passeios de carro são, a meu ver, o ponto alto do filme, pois situações do fundo da memória de Scola vêm à tona e ele consegue compartilhar conosco o que ele vivenciou, num milagre que só o cinema consegue.
Dentre outras curiosidades, o relacionamento entre Fellini, Scola e Marcello Mastroianni também é citado. Enquanto Fellini tratava Mastroianni como seu alter ego, obrigando-o a fazer dietas, Scola levava o grande ator italiano para comer o que quiser, o que rendeu ao diretor uma bronca da mãe de Mercello, que simplesmente aparece do nada na praia que foi o cenário final de “La Dolce Vita” e onde estão os dois diretores sentados junto com o ator em cadeiras a beira-mar. Simplesmente exótico, engraçado, imprevisível, ou seja, felliniano.
Um momento marcante apareceu nas imagens dos Oscars ganhos por Fellini, que, na opinião do documentário, foram uma espécie de regozijo e motivo de orgulho para o italiano médio, para o trabalhador, o funcionário público, o professor, que são obrigados a engolir os desmandos de uma elite corrupta que está no poder.

Até as imagens do funeral de Fellini foram usadas, talvez as mais fellinianas de todas, ou seja, o seu caixão guardado por dois policiais altamente paramentados, um exemplo de autoridade que Fellini sempre dizia que o artista deveria transgredir. Como Fellni não aprovaria um desfecho tão sem esperança, “sem um raio de Sol”, Scola imaginou uma situação em que Fellini foge do próprio enterro, seguido pelos policiais pelos estúdios da Cinecittá. O grande diretor consegue despistá-los e termina o filme girando num pequeno carrossel. E a imagem do carrossel se mescla com imagens caleidoscópicas dos grandes sucessos de Fellini, onde podemos matar as saudades de astros como Marcello Mastroianni, Anita Ekberg, Vitorio Grassman, Alberto Sordi, Anna Magnanni, Umberto Tognazzi, etc., etc., etc. Um documentário com ares de milagre! Memória viva pululando em nossas retinas!


Cartaz do filme.


Imagens lúdicas e fellinianas


Scola na direção


Números de dança com dançarinas gordinhas, gordinhas.


 Fellini, Mastroianni e Loren.


Na direção. 


Dramatização de situações reais.


 Memoráveis passeios noturnos de carro.


Cena final: Fellini foge do próprio enterro para brincar no carrossel.