terça-feira, 20 de maio de 2014

Resenha de Filme - Divergente

Divergente. Novas Leituras De Velhos Modelos.
O filme “Divergente” não tem nada de original em sua história. Mas, mesmo assim, é uma película digna de atenção pois, baseada num best-seller mundial, busca recontar tramas já conhecidas de uma nova forma. Sendo uma colcha de retalhos de gêneros como a ação, o suspense e a ficção científica, esse filme dirigido por Niel Burger traz um elenco de carinhas ainda não tão conhecidas, mas que se ampara em duas atrizes que já foram mocinhas em suas épocas de juventude: Ashley Judd e Kate Winslet.
Vemos aqui um mundo num futuro não muito distante, depois de uma suposta guerra que abalou a humanidade. A cidade de Chicago semidestruída vê uma nova (?) organização social dividida em cinco facções: os eruditos, os abnegados, os amigos, os sinceros e os audazes. O poder está nas mãos dos abnegados, altruístas por excelência, preocupados em ajudar as pessoas, servindo-as como funcionários públicos. Desde já fica claro que os abnegados são a alegoria do regime democrático. Os eruditos são homens de ciência, preocupados em desenvolver as tecnologias. Os sinceros defendem a verdade e as leis. Os amigos defendem a fraternidade entre as pessoas e os audazes são os corajosos que exercem a função de polícia. Há, também, os sem facção, que são praticamente moradores de rua. Os jovens, ao alcançar uma certa idade, escolhem qual facção irão seguir após um teste de aptidão. Geralmente, quem nasce numa facção escolhe a que já vive, mas há exceções. Numa família de abnegados, a jovem Beatrice (interpretada por Shailene Woodley) escolhe a vida dos audazes, para a decepção dos pais que não mais a verão. O detalhe aqui é que os resultados de seu teste de aptidão foram inconclusivos, ou seja, ela tinha elementos de mais de uma facção, sendo classificada como “divergente”. A mulher que lhe aplicou o teste disse que ela não deveria contar para ninguém o resultado. Ao entrar em sua nova facção, Beatrice troca seu nome para Tris e se vê obrigada a passar por severas provas dentro de uma rígida disciplina militar para poder fazer parte da facção dos audazes. Se falhasse, ela terminaria como sem facção. Tris terá então que enfrentar suas limitações e usar todas as suas habilidades, ao mesmo tempo em que esconde que é uma divergente. Apesar de todos os contratempos, Tris se torna uma audaz. Mas há um plano arquitetado pelos eruditos, liderados por Jeanine (interpretada por Kate Winslet), que quer tomar o poder dos abnegados, sob a acusação de que eles querem acabar com as facções. Para isso, os audazes serão “lobotomizados” com soluções químicas para deixá-los altamente sugestivos e usarem de sua violência e força militar para tomar o poder. Jeanine abomina a vontade e ambição humanas, causadoras da guerra de anos antes. Assim, Tris, que é uma divergente e está imune às sugestões dos eruditos, vai lutar contra essa tentativa de golpe e, ao mesmo tempo, tem que impedir de ser morta, pois os divergentes têm vontade própria, já que apresentam características de várias facções.
Quando é dito aqui que o filme não é algo original, quer se dizer que a história bebe em várias fontes. A primeira delas é a noção de estado autoritário que reprime totalmente a individualidade das pessoas, sendo o estado nazista talvez um dos melhores exemplos. A divisão da sociedade em facções com funções estritamente definidas remete a esse estado autoritário, presente de uma certa forma, desde “A República”, de Platão, passando pelas sociedades de Antigo Regime, indo até as ditaduras com culto à personalidade do século XX, embora no contexto do filme não haja um líder específico. A repulsa à vontade individual fica claro no discurso de Jeanine, que a culpa pela provocação da guerra. Assim, a sociedade de facções é uma “nova sociedade” platônica, onde cada indivíduo cumpre sua função. O discurso de um Estado autoritário que deve reprimir a ambição e vontade humanas também é visto no “Leviatã”, de Thomas Hobbes, um dos teóricos do absolutismo. Quanto às facções propriamente ditas, já mencionamos que os abnegados são a alegoria da democracia. Quanto aos audazes, fica bem clara a sua posição militarista, altamente sedutora (Beatrice admirava os audazes desde pequena!), como eram as sociedades fascistas que atraíam a população com seu discurso ultranacionalista e vigoroso no que se tange ao uso de força bruta para resolver situações de crise. Os eruditos, por sua vez, tem também um quê autoritário que remete a uma ideologia positivista, que prega a ideia de que os mais capacitados intelectualmente devem assumir os governos, evitando que pessoas ignorantes do povo assumam altos cargos. Como a democracia possibilita que qualquer pessoa possa subir ao poder, os positivistas têm uma pecha altamente antidemocrática.

Assim, “Divergente” transfere para um futuro próximo questões e modelos que já são conhecidos há muito tempo. De qualquer forma, o filme tem seu valor, pois lança mãos desses elementos conhecidos numa história cativante, que prende seus olhos à telona o tempo todo, sendo uma concatenação de vários gêneros, onde cada um tem o seu espaço na trama de forma adequada.


 Cartaz do Filme.


Tris. Escolha pelos audazes, mas uma divergente.


Escolhendo uma facção.


Violentas provas de resistência e luta impostas pelos audazes. Militarismo.


Jeanine. Manifestação loura de um estado autoritário.

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