terça-feira, 18 de março de 2014

Resenha de Filme - Era Uma Vez Em Tóquio

Era Uma Vez Em Tóquio. Desconstruindo um Remake.
O que acontece quando você vê o remake de um filme antes da primeira versão? Você desconstrói o remake, lógico! Os dois filmes japoneses que estão em circuito, “Era Uma Vez Em Tóquio” (1953) e seu remake “Uma Família em Tóquio” (2013), nos dão a chance de fazer uma comparação de como a mesma história é contada em diferentes épocas, dando margem a uma reflexão e tanto.
Nos dois filmes, a história é muito simples. Um casal de idosos que vive afastado de Tóquio vai visitar seus filhos já adultos e com suas vidas formadas na capital japonesa. Devido às suas ocupações, os filhos começam um jogo de empurra para ver quem fica com os pais. Tudo é feito sem qualquer constrangimento ou arrependimento. Até que a mãe adoece e morre, o que obriga a todos largarem as suas vidas e a participarem do funeral na longínqua cidade dos pais. O trauma que poderia ser uma chance dos filhos se redimirem dos seus atos supostamente mesquinhos se torna algo ainda mais digno da indignação, pois uma das filhas ainda quer levar algumas roupas da mãe logo depois de morta. A história mostra de uma forma nua e crua como os filhos se distanciam cada vez mais dos pais, mesmo numa sociedade serena e que valoriza tanto a honra como na sociedade japonesa. Entretanto, as versões de 1953 e 2013 apresentam algumas diferenças que são dignas de nota, tal como um tema musical com variações.
Em primeiro lugar, a história sofre diferenças de acordo com a época em que elas passam. Na versão original de 1953, o casal de idosos tem três filhos, mas um deles é falecido, pois morreu na 2ª Guerra Mundial, que havia acabado cerca de oito anos antes. A nora, que era viúva, Noriko (interpretada por Setsuko Hara), tem uma presença bem marcante desde o início do filme, sendo o membro da família que mais se preocupa com o casal e os trata de forma mais doce. Há um vínculo entre os idosos e Noriko, pois o casal não suporta a longa viuvez da nora e a “autorizam” a procurar um novo marido, algo que ela reluta em fazer, por achar muito egoísmo da parte dela pensar num novo relacionamento. Esse vínculo afetivo entre o casal de idosos e a nora Noriko foi o que de melhor surgiu na versão de 1953 e acabou parcialmente se perdendo na versão de 2013, pois nesta última versão, o terceiro filho está vivo e há um relacionamento com Noriko mantido às escondidas dos pais tradicionalistas (novos tempos, novas atitudes). Ao descobrir Noriko, a mãe encontra uma “nora” temerosa de rejeição e começa um relacionamento com ela, onde se tornam muito amigas. Mas Noriko só será descoberta por toda a família nos funerais da mãe e surgirá todo um dilema de como o pai, recentemente viúvo, aceitará a nora desconhecida. Talvez tenha sido por isso que Noriko e seu namorado não tenham deixado a casa do patriarca logo após o funeral da mãe. Na versão original, Noriko logo deixa a casa do pai, pois ela precisa voltar ao seu trabalho. Aliás, a necessidade de Noriko retornar ao seu trabalho por ser uma viúva de guerra é bem assinalada na versão de 1953 como algo altamente negativo, já que a sociedade da época era bem mais machista e uma mulher viúva trabalhar para viver dava um impacto de desamparo muito maior que o de hoje.

E a partilha dos bens da mãe após a sua morte? Vimos que uma da\s filhas queria levar algumas roupas da mãe logo após a sua morte. A versão de 2013 tratou o assunto e forma asséptica. Um dos parentes cortou a conversa com um “não é hora de discutirmos isso agora” e ponto final. Na versão de 1953, tivemos uma abordagem muito mais rica desse tema, pois a mocinha que vivia com o casal de idosos reclamou com Noriko da mesquinharia dos filhos. Mas Noriko, sempre sorridente e serena, diz que as coisas são assim mesmo, que os filhos se modificam com o tempo e que eles não têm culpa disso. Perguntada se ela passou por essa modificação, Noriko confirma que sim. A mocinha acha que essa modificação é muito ruim e Noriko, resignada, concorda plenamente. Assim, o filme passa a ideia de que, quanto mais os filhos crescem e se tornam independentes, mais eles se afastam dos pais e isso é um processo natural, algo que o casal de idosos aceitava com muita compreensão e serenidade. O dilema de consciência vem justamente no momento em que repudiamos as atitudes dos filhos com relação aos pais, consideradas por nós como insensíveis e mesquinhas, mas depois colocadas como um curso natural da vida, fazendo com que o espectador saia da sala cheio de grilos na cuca e inclusive repensando o seu próprio relacionamento com os pais. Tudo isso faz desses dois filmes (“Era Uma Vez Em Tóquio“ e “Uma Família em Tóquio”) obras de grande importância que nos fazem pensar como lidamos com nossas próprias famílias, assunto às vezes muito espinhoso que jogamos para debaixo do tapete e que provocam distanciamentos de até uma vida inteira.

 Cartaz do Filme de 1953


A família.


Um sereno casal de idosos.


Noriko, personagem fundamental. 

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