domingo, 2 de março de 2014

Resenha de Filme - Dr. Fantástico Ou Como Eu Aprendi a Parar de Me Preocupar e Amar a Bomba.

Dr. Fantástico Ou Como Eu Aprendi a Parar de Me Preocupar e Amar a Bomba.
Ufa! Esse quilométrico título esconde um dos filmes mais deliciosos de Kubrick. Em plena década de 1960, depois das mazelas macarthistas e da crise dos mísseis, temos talvez uma das maiores comédias sobre a guerra fria e um retrato fiel da insanidade de toda uma época. Insanidade que poderia ter nos custado muito caro, como o próprio filme apresenta.
A história começa com uma denúncia de que a União Soviética teria construído em segredo uma arma que poderia destruir todo o mundo de uma vez só, uma espécie de “máquina do juízo final”. Ainda, mostra também toda uma esquadrilha de bombardeios B-52 que ficam constantemente no ar com as bombas nucleares, sendo acionados em caso de um ataque contra os russos. Pois é. Um brigadeiro totalmente enlouquecido (Jack Ripper, interpretado por Sterling Hayden) e preocupado com uma conspiração comunista para contaminar os fluidos corporais americanos com flúor (é de viajar na maionese mesmo!), ordena o ataque dos B-52 contra a União Soviética. Espera aí, não seria somente o presidente dos Estados Unidos a dar essa ordem? Sim, mas uma falha na segurança acabou abrindo essa brecha para o brigadeiro. Além disso, os B-52 tiveram suas comunicações cortadas e só a senha do brigadeiro poderia impedir o ataque. Mas ele cortou as comunicações de seu quartel e o isolou. Assim, soldados americanos teriam que invadir o quartel protegido por soldados americanos, num tiroteio total de fogo amigo, sob a placa de “Paz é a nossa profissão”. Genial! O filme tem passagens muito hilárias, como a reunião de cúpula no Pentágono entre o presidente e os militares, todos tomados de um anticomunismo doentio, à exceção do presidente. Aqui, devemos dar um especial destaque para George C. Scott, o general Buck Turgidson, que precisa explicar ao presidente todo o imbróglio e dá as sugestões as mais grotescas possíveis para solucionar a crise, bem ao espírito de “Doutrina de Segurança Nacional”, forjada pelos militares americanos para combater os comunistas, e que tanto mal nos fez durante a nossa ditadura militar. Agora, quem realmente deu um show e talvez tenha sido uma das maiores atuações de sua carreira foi Peter Sellers. Ele não interpretou apenas um papel, mas sim TRÊS de uma vez só. Ele interpretou o capitão inglês Lionel Mandrake (tinha um bigodinho sim, como o mágico), um militar altamente centrado, que era o auxiliar do tresloucado brigadeiro Ripper, e que irá descobrir o código para deter o avanço dos B-52; o presidente Merkin Muffley, outro personagem centrado (na fauna do establishment americano, ele é o único personagem de visão coerente, numa mostra de como a figura do presidente da república ainda era respeitada, apesar de todos os deslizes dos governos e dos militares; deve-se mencionar que os diálogos com o premiê soviético ao telefone foram muito engraçados); e o misterioso Dr. Strangelove, um cientista alemão capturado na Segunda Guerra Mundial que fazia cálculos frios sobre as situações mais inusitadas, como, por exemplo, quais seriam os “espécimes” mais adequados de humanos para se colocar em abrigos nucleares. Esse doutor tinha a parte direita do corpo meio que paralisada, meio que fora de controle e, de vez em quando fazia espasmos de saudação nazista, com direito a “Heil!” e tudo, numa crítica para lá de engraçada (e muito contundente) ao militarismo do governo americano. Quando vocês virem o filme, notem que o embaixador russo (interpretado por Peter Bull) não consegue segurar o riso atrás de Sellers. Três personagens diferentes, interpretados por um mesmo ator talentosíssimo que não foi somente o Inspetor Clouseau.

Apesar de o ataque ser detido (inclusive com a ameaça de retaliação da máquina do Juízo Final soviética), um B-52 continua sua missão e atinge o alvo com uma bomba nuclear, detonando a 3ª Guerra Mundial e uma sequência de explosões atômicas que encerram o filme, coroando toda a insanidade de uma guerra fria que nada tinha de lógica. Com “Dr. Fantástico”, Kubrick realizou o milagre de fazer as pessoas rirem de uma situação que tanto as amedrontava: o fim do mundo através de uma guerra nuclear. Pelo menos, hoje podemos rir aliviados (ou não????).


Cartaz do Filme


O enlouquecido Brigadeiro Ripper


George C. Scott (general Buck Turgidson): atuação memorável.



Peter Sellers, como capitão Mandrake: fazendo mágica para evitar a 3ª Guerra.


 Peter Sellers, como presidente Muffley: confiança imaculada no líder máximo.


Peter Sellers, como Dr. Strangelove: nazismo inserido no militarismo americano.


Tiroteio de fogos amigos: a Paz é nossa Profissão!!!!

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