- Gene!
- O que foi, Fred?
- Está na hora do ensaio.
- Humm, OK, vamos lá. O que vai ser hoje?
- Sapateado, ué...
- De novo? Não fizemos ontem?
- Por seu amigo, Gene.
- Tá certo, Fred, tá certo.
- Então vamos lá. Aqueles mesmos passos de ontem. Um, dois, três, quatro, um, dois, três, quatro, um, dois, opa!
- O que foi, Fred? Fiz errado de novo?
- Não que você tenha feito errado, mas a sincronia das batidas dos nossos pés não ficou perfeita.
- Que ouvido, hein? Às vezes acho que você escuta demais.
- Tem que ser perfeito, Gene.
- É por isso que a Ginger reclamava tanto de você.
- Ela era meio preguiçosa, né, Gene?
- Sei lá, só sei que ela era a namoradinha de muita gente. De todos os que assistiam a nossos filmes.
- Tempos bons da RKO e da Metro, não?
- Ô, nem fale. Fizemos a alegria de muitas pessoas totalmente desesperançadas.
- Que não tinham emprego, dinheiro, que passavam fome.
- Foram tempos muito difíceis.
- Ás vezes me pergunto, Gene. Por que o homem tem essa natureza tão dúbia?
- Como assim?
- Ora, veja só. Aquela crise toda foi produzida por tanta ganância e, ao mesmo tempo, procurávamos dar um pouco de alegria àquelas pessoas.
- Sabe-se lá porque, Fred. Mas que também ganhamos muito dinheiro, nós ganhamos.
- Sente-se culpado?
- Sei lá, Fred! Você està muito filosófico hoje!
- Acho que é toda essa atmosfera etérea que nos envolve.
- Bom, vamos continuar?
- Vamos lá!
- Comece.
- Um, dois, três, quatro, um, dois, três, quatro, opa!
- Ah, não. De novo, Fred?
- Agora quase foi. Faltou um tantinho!
- Quem é o coreógrafo e bailarino aqui? Não sirvo para sapatear?
- Tem que ser...
- Perfeito, já sei.
- Sabe, Gene...
- O que é, Fred?
- Às vezes me pergunto. Fizemos o certo?
- Como assim?
- Não alienamos as pessoas com nossos filmes? Não desviamos a atenção do verdadeiro foco dos problemas delas?
- Não seja duro com você mesmo, Fred. É como diz aquele sul-americano: ser firme, mas sem perder a ternura.
- Você virou revolucionário?
- É claro que nâo! Só digo que precisamos ser responsáveis, mas com uma pequena dose de irresponsabilidade.
- E os irresponsáveis somos nós aqui, né?
- Claro que sim! Como eu poderia fazer aquela sequência com a Cyd Charisse em "Cantando na Chuva" sem ser irresponsável? Eu tinha que ousar! Mas havia responsabilidade também! O trabalho era muito detalhista, meticuloso, assim como o seu sapateado.
- É, Gene, agora você me tirou um peso das minhas costas,
- Sempre às ordens, Fred. Vamos continuar?
- Sim, mas antes uma pergunta.
- O que é?
- O que vamos fazer amanhã?
- Ensaio de canto com o Frank.
- Isso é covardia! Ele nos exige sempre o máximo das nossas cordas vocais!
- Não reclame, Fred. A minha tarefa, que será fazê-lo dançar na próxima semana, será bem pior.
- Precisávamos reunir a turma toda da RKO e Metro novamente.
- Por que?
- Para fazer um grande musical
- Com qual intuito?
- O de alegrar pessoas tristes, como nos velhos tempos. Vir para cá de uma hora para outra é um grande choque para qualquer um.
- É o curso normal da vida, Fred. Mas podemos pensar num musical sim. Vamos juntar a turma na semana que vem, OK?
- OK. Vamos retomar o ensaio então?
- Vamos lá.
- Um, dois, três, quatro, um, dois, três, quatro. Opa! Olha a falha na sincronia de novo!
- Ai...
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