quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Resenha de Filme - O Cavalo de Turim

O Cavalo De Turim. Cinema Como Não Ação.
O Instituto Moreira Salles, lá na Gávea, passa neste mês de janeiro a película “O Cavalo de Turim”, do diretor húngaro Béla Tarr. Realizado em 2011, esse é um filme altamente singular, pois se trata de um cinema que vai justamente na contramão do cinema, ou seja, é um filme que trabalha mais a não ação do que a ação.
O filme começa falando de um tal cavalo que não obedecia ao seu cocheiro, que começa a chicoteá-lo. Friedrich Nietzsche (ele mesmo!) andava pela rua e presenciou a cena em que o cavalo era espancado. Traumatizado com a cena, o filósofo se aproxima e interrompe a surra, abraçando o pescoço do cavalo e chorando. O porteiro do prédio onde Nietzsche mora o leva para casa, que fica deitado quieto num divã, por dois dias, antes de murmurar suas últimas palavras para a mãe (“Eu sou burro”). O filósofo ficou mais dez anos vivo, mergulhado no silêncio e na loucura, sob os cuidados da mãe e das irmãs.
Pois é. Nietzsche surtou feio e pirou na batatinha. Mas... e o cavalo?  O que aconteceu com ele? É a partir daí que Béla Tarr e o seu roteirista László Kraznahorkai vão desenvolver sua história. E o que vemos? Um filme com um belo preto e branco, sempre insuperável, que mostra um homem velho (interpretado por János Derzsi) vindo com o tal cavalo que puxa uma carroça por uma estradinha de terra. Ele chega a sua casa, onde a filha (interpretada por Erika Bók) o recebe. O cavalo é colocado no estábulo e os dois vão para dentro de casa. Com uma tempestade de vento batendo lá fora, pai e filha começam toda uma rotina: a filha despe o pai, ela cozinha duas batatas para comer, é jogado os restos de comida fora, a louça é lavada, o fogão é alimentado com lenha, dormem. No dia seguinte, a vida começa com a filha tirando água do poço. E assim, presenciamos a rotina desses dois personagens por seis longos dias, onde alguns elementos quebram todo esse ritual.
O filme é angustiante, pois a tempestade não para um momento sequer e, à medida que a película se desenrola, sentimos que tudo vai se perdendo, se desvanecendo, com os personagens numa luta pela sobrevivência em que manter a rotina é a arma principal. Mas, por mais que pai e filha resistam, a situação é a de um beco sem saída, com a tragédia iminente e inevitável. A sensação de sufocação surge em momentos de inação total, tal como o pai que olha a tempestade pela janela, em longos planos totalmente estáticos. Essa é uma proposta do cinema de Tarr. Ele acredita que a história não precisa necessariamente se basear na ação humana. Um homem parado, num canto, pode para o diretor muito bem ser uma história. Tarr quer um cinema que esteja mais perto da vida do que o cinema. O que se move é o desenho do quadro, a luz e a sombra.
Tal visão singular de cinema é expressa num filme de 146 minutos, ou seja, um filme longo, com longos planos quase estáticos. Isso pode soar extremamente enfadonho (e é!), mas ainda assim, o filme tem uma rica materialidade visual, realçada pelo poder do preto e branco, com eventuais lampejos de cores. Se a ação é quase estática, que pelo menos nós tenhamos um bom desfile de imagens. E isso acontece no cinema desse diretor muito peculiar.

Assim, “O Cavalo de Turim” pode ser considerado um cinema de arte extremo, onde o entretenimento é completamente esquecido em prol da visão cinematográfica do diretor, que prima pela busca de uma narrativa na não ação. É uma proposta inovadora e, por isso mesmo, que causa estranheza ao nosso primeiro contato com ela. E não deixe de ver o trailer após as fotos. 


Cartaz do Filme

Um cavalo com supostos ares de protagonista

Uma rotina em que batatas são comidas todo o dia

Olhando para o infinito

Exaustão marca o clima decadente do filme

Buscando água

Uma luz que lentamente se apaga

A película tem um belo preto e branco

Uma estranha escuridão aumenta a cada dia


O diretor húngaro Béla Tarr





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