sábado, 23 de janeiro de 2016

Resenha de Filme - As Mil E Uma Noites, Volume 1 - O Inquieto

As Mil E Uma Noites, Volume 1, O Inquieto. Um Panorama De Portugal Na Crise.
O diretor português Miguel Gomes é da nova geração de cineastas do cinema lusitano. Ele concebeu um filme de mais de seis horas, que foi dividido numa trilogia intitulada “As Mil e Uma Noites”, onde ele usa a história de Xerazade de forma simbólica para contar a situação atual de Portugal. Neste primeiro episódio, “O Inquieto”, Gomes mostra uma mesclagem entre documentário e ficção, dividindo sua película em pequenas partes, numa narrativa cinematográfica um tanto fragmentada mas que,mesmo assim, possui coesão. Seu fio condutor se ampara na denúncia da situação de crise econômica extrema pela qual Portugal passou nos últimos anos. Gomes criou um preâmbulo documental em seu filme onde exibia, simultaneamente, a onda de demissões num estaleiro e a destruição de colmeias por um tipo de vespa que levava os agricultores à falência. O diretor procurou buscar um paralelo entre essas duas situações extremas. Gomes também mencionou que tinha a ideia de fazer um belo filme que também denunciasse as mazelas sociais da crise, mas constatou que um filme nesse formato era totalmente impossível. Desesperado, Gomes sai correndo com a equipe de filmagem correndo atrás dele. Mais tarde, com os líderes da equipe de filmagem enterrados até o pescoço na areia, Gomes faz uma espécie de “mea culpa” pela situação constrangedora de vácuo criativo.
Até aí, a coisa estava um tanto “glauberiana”, com uma narrativa fragmentada e documental. Desse momento em diante, o panorama mudou um pouco, quando as pequenas histórias do filme nos mostravam uma narrativa mais tradicional. Nessas histórias prevaleceu um humor ácido e agressivo contra as instituições políticas e econômicas, o que despertou muitas gargalhadas do público, que se deleitou com algumas situações um tanto surreais, como o julgamento de um galo (!) por cantar muito cedo, ou seja, fora da hora, e despertando a vizinhança, ou a deliciosa reunião entre a cúpula do governo português e o FMI, com direito a um intérprete brasileiro. A forma com a qual eles tentaram resolver a crise foi simplesmente genial! Mas não vou dizer aqui.
Uma parte interessante do filme tinha entrevistas com pessoas que perderam os seus empregos na crise, cujos relatos pessoais assustam muito pela semelhança que vemos com nossos relatos de pessoas desempregadas aqui no Brasil, que espalham seus currículos por aí e recebem as mais esdrúxulas justificativas para não ser empregadas, isso quando recebem essas justificativas. Tais pessoas eram tratadas pelo diretor como “magníficos” e foram a faceta mais nua e crua de como a crise afetou Portugal.
Esse trabalho de Miguel Gomes é jovem, inovador, corajoso, sarcástico e, acima de tudo, reflexivo. As pequenas histórias ao longo da película, amparadas pelo fio condutor da crise, desmentem a afirmação que o diretor deu ao início do filme. Seu talento conseguiu tornar viável a realização de um belo filme artístico que falasse de coisas tão tristes como a crise. Seu senso de humor aguçado fez com que ríssemos de uma situação tão extrema que Portugal passa, mas, ao mesmo tempo, também nos entristecemos e nos mortificamos com os depoimentos dos desempregados em suas pequenas tragédias pessoais que só se remetem a uma tragédia ainda maior, sendo esta a que, em momentos de crise, as elites ricas que provocaram o caos jogam todo o fardo da responsabilidade em cima dos menos favorecidos, ou seja, os ricos fazem os investimentos de risco e as negociatas e, se elas não dão certo, que o povo pague o preço por isto. Aí fica a pergunta: cadê o Estado nessa hora? Cadê o Estado que deve proteger o direito do indivíduo e amparar os menos favorecidos nos momentos difíceis?

Por essas e por outras, Miguel Gomes se revela como uma das joias do novo cinema português. Vamos esperar ansiosamente pelos volumes 2 e 3 dessa interessante trilogia. E, enquanto esperamos, não deixem de ver o trailer do filme depois das fotos.

Cartaz do Filme

Um diretor desesperado e zureta

Mea culpa pela crise criativa

Xerazade vai contar a história de Portugal na crise

O surreal é um elemento sempre presente no filme

Uma esposa espinhosa...

Um galo falante

Uma sereia moribunda

O primeiro banho do ano...

O diretor Miguel Gomes



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