sábado, 14 de fevereiro de 2015

Resenha de Filme - Corações Livres

Corações Livres. Trocando O Certo Pelo Duvidoso E Se Dando Mal.
O Cine Joia, em Copacabana, lá escondidinho num shoppingzinho, tem passado algumas antigas reapresentações que valem a pena. Uma produção de 2002 da Dinamarca, chamada “Corações Livres” foi exibida nesse cineminha simpático trazendo ele, Mads Mikkelsen, o grande ator dinamarquês, uma espécie de Ricardo Darín da Jutlândia. Dirigido por Susanne Bier e com roteiro de Anders Thomas Jensen, faz parte do movimento Dogma 95, da Dinamarca, criado por Lars von Trier e Thomas Vinterberg, época em que o Cinema fazia cem anos e que tinha o objetivo de se fazer um cinema menos comercial e mais realista, ou seja, resgatar o cinema anterior a uma exploração industrial à la Hollywood, restringindo técnicas e tecnologias. Uma série de regras tem que ser respeitada, como uso exclusivo de locações em detrimento de cenografias, som e imagens produzidos não produzidos separadamente, câmara na mão, proibição de truques fotográficos, filmes devem abordar apenas a época atual, o nome do diretor não deve constar nos créditos, etc. Os filmes devem ter um certificado do Dogma 95 atestando que as exigências foram cumpridas. O movimento produziu filmes de baixo orçamento e de qualidade técnica duvidosa para alguns, o que reforçava a importância do roteiro. Dentro desse contexto, “Corações Livres” foi produzido.
A película conta a história de um jovem casal, Cecille (interpretada por Sonja Richter) e Joachim (interpretado por Nikolaj Lie Kaas), altamente feliz e com muitos planos para o futuro, dentre eles o casamento. Mas um atropelamento sofrido por Joachim jogou tudo por água abaixo, pois ele ficou tetraplégico. Quem o atropelou foi Marie (interpretada por Paprika Steen), casada com o médico Niels (interpretado por Mads Mikkelsen) que trabalhava no hospital onde Joachim estava internado. Apesar de não ser culpada pelo acidente, Marie tinha esse sentimento em sua mente, já que, na hora do atropelamento, tinha acelerado o carro por conta de uma discussão com a filha adolescente no interior do automóvel. Assim, Marie pedia a Niels para dar conforto e assistência a Cecille no hospital, que recebia sucessivas patadas de Joachim que não queria mais a visita da moça. O leitor já sabe o que aconteceu. Niels e Cecille se aproximam, tornando-se amantes. Um triângulo amoroso com uma fragilidade e tanto entre as figuras humanas lá presentes. Uma família que vai se desmantelar completamente. E muitas, muitas incertezas, com um filme de desfecho completamente aberto.
As rígidas regras do Dogma 95 (se não fossem rígidas, o manifesto não se chamaria assim) ajudaram um pouco na dramaticidade da coisa. Houve uma boa sacação no roteiro. Em alguns momentos, a imagem mostrava a situação que se passava na história, intercalada por imagens que expressavam o desejo dos personagens. Como um exemplo, há uma cena em que Cecille e Joachim estão no quarto do hospital. Para afastar Cecille, Joachim já a despreza. Ele deitado na cama, olhando para o teto, fingindo que Cecille nem está ali deitada na cama ao lado. Na imaginação de Cecille, eles estão de mãos dadas, com um olhar terno um para o outro. Vale ressaltar que a imagem que expressa o desejo de Cecille foi tomada num close, de forma desfocada, granulada e sem iluminação específica, uma das intenções do Dogma 95, ao passo de que a imagem mostrando a situação real era produzida de forma mais “comercial”, com mais qualidade, digamos assim.

A história é o clássico caso de se trocar o certo pelo duvidoso, de seguir a emoção ao invés da razão. Se Niels resolveu se arriscar, Cecille ainda tinha muito amor por Joachim. Este, por sua vez, sabia que o relacionamento com a namorada era impossível. E Marie ficou a ver navios com uma penca de filhos. Nenhum dos personagens teve algum tipo de solução para seus problemas. Tudo permaneceu em aberto. Tudo suspenso no ar, de forma frágil como um castelo de cartas... ou seja, mais um filme de arte que imita a vida, provocando reflexões sobre a condição humana... e a excelente presença de Mads Mikkelsen, acompanhado agora da excelente Paprika Steen, que também trabalhou no primeiro filme do movimento Dogma 95, “Festa de Família”. Tais curiosas experiências e atuações fazem o cinema dinamarquês ser digno de atenção.

 
Cartaz do filme


Tetraplégico, Joachim rechaça Cecille


A jovem moça sofre


Mas ela encontrará consolo nos braços de Niels


Ele estará a sua disposição, mas...

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