sábado, 17 de janeiro de 2015

Resenha de Filme - Ventos de Agosto

Ventos De Agosto. Côcos, Ventos, Ondas E Um Defunto.
Mais outro filme de nosso país. “Ventos de Agosto” nos conta uma história um tanto peculiar, doida e non sense até. Mas que até tem uma certa lógica interna. Imaginem uma vilazinha de pescadores lá no cafundó do judas do Nordeste, perto da praia. A rotina dos moradores se resume à pesca e a catar côco. Literalmente. Uma menina de nome Shirley (interpretada pela bela Dandara de Morais), que gosta de rock e tatuagem, é obrigada a ficar na vilazinha cuidando da avó. Ela se envolve com um rapaz da vila, Jeison (interpretado por Geová Manoel dos Santos). Depois que os empregados da fazenda enchem a caçamba de um trator com côcos, Shirley e Jeison partem para outro local para descarregar o côco colhido e vendido. No meio do caminho, param para o sexo na caçamba, em cima dos côcos mesmo, o que dá ao filme um toque de grande sensualidade. Outro ofício de Jeison é a pesca submarina. Shirley fica no barco tomando sol nua enquanto o namorado trabalha. E assim, entre uma trepada, um bico e os cuidados com a avó, a vida vai passando em câmara lenta. Até que, um dia, um pesquisador de ventos (interpretado por Gabriel Mascaro, que também acumula o cargo de diretor do filme) chega à vila para registrar os sons dos ventos do local. Mas o infeliz morre, levado pelas ondas noturnas da praia. Jeison achará o corpo e quer que a polícia vá buscá-lo para o levar para o IML. Só que a vila é longe pacas e a polícia não vai. E Jeison cuidando do corpo enquanto a polícia não chega, para a incredulidade de todos os moradores.
Por se tratar da vida numa vila afastada, a cadência do filme é lentíssima e pode aborrecer em alguns momentos. O uso de atores caracterizados e de prováveis figurantes locais aproxima o filme do neorrealismo italiano e do cinema iraniano em algum nível, onde populares eram usados nas filmagens. As cenas de nudez de Shirley e Jeison são outra marca da película, enchendo a história de uma sensualidade que não é vulgar, como muitos detratores do cinema brasileiro criticam. O filme também tem um leve toque de humor em algumas situações, que ajudam a levar a coisa com mais suavidade.
Mas fica aqui a grande questão: por que Jeison tomou tanto cuidado com o corpo de um estranho? Talvez pelo fato de a própria vila não cuidar de seus mortos. Um cemitério à beira mar era a maior prova disso, onde a maré destruía as sepulturas e trazia à superfície os ossos dos mortos. Um crânio encontrado no fundo do mar por Jeison só foi identificado como um morador muito antigo da vila por um outro morador antigo em virtude de seu dente de ouro e esse morador nem deu muita trela para o crânio achado no fundo do mar, sugerindo, inclusive, que ele deveria ser devolvido. Tais atitudes provocaram indignação em Jeison que, ao ver um corpo, tomou todas as providências para o sepultamento dele, organizando até uma missa juntamente com a comunidade para a encomenda da alma do morto. Essa indiferença com os mortos por parte dos moradores da vila pode ser vista como uma alegoria da falta de interesse com a memória de nosso país por parte do povo e, provavelmente é um dos motivos principais do filme ter sido tão bem visto pela crítica.

Agora, se você espera entretenimento, “Ventos de Agosto” tem apenas alguns lampejos de humor e uma dose refinada de sensualidade. No mais, é um bom filme “cabeça”, com arroubos de neorrealismo e, por que não, cinema novo. A situação do lugar (uma vila de pescadores) nos traz a lembrança de “Barravento”, do Glauber, por exemplo. É um filme um tanto recomendável, mas depende muito do gosto do freguês.  

Cartaz do filme. Sensualidade


Shirley e Jeison. Sexo na caçamba de côco em meio ao marasmo


Pesca submarina. Outro ofício de Jeison


Enquanto isso, Shirley toma Sol. 


Shirley se sente presa cuidando da avó


Influências do neorrealismo italiano


Crânio encontrado no mar. Pouco caso com a memória


A chegada de um estudioso dos ventos mudará a rotina da vilazinha...


Dandara de Morais (Shirley) e Gabriel Mascaro (diretor e o coletor de ventos)

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