sábado, 31 de janeiro de 2015

Resenha de Filme - Depois da Chuva

Depois Da Chuva. Malhação Hard Core Em Dias De Nova República.
Mais um filme brasileiro em nossas telas. “Depois da Chuva” tem um ar juvenil, ao bom estilo “Malhação”. Mas em plena época da abertura política, com a eleição de Tancredo Neves e a implementação da Nova República. Temos a oportunidade de testemunhar como os jovens da época entendiam o contexto de transição do país de uma ditadura para uma democracia. Isto é, jovens de uma escola particular bem conceituada, jovens de uma elite baiana.
Vemos aqui a história de Caio (interpretado por Pedro Maia), um garoto que vivia com anarquistas e era uma espécie de ovelha negra da escola. Suas peças de teatro eram altamente andróginas, onde ele e seus colegas se vestiam de mulheres interpretando mães e filhas que questionavam os costumes da época e cantavam uma versão de “Negue” em rock pesado (ops, alguém se lembrou do Marcelo Nova e do Camisa de Vênus aí?). Ao fazer uma redação que criticava a volta do processo democrático e da Nova República, dizendo que tudo nada mais era do que um continuísmo da ditadura, Caio foi ameaçado de ser expulso da escola. Mas ele vai tentar continuar por lá, se candidatando à presidência do grêmio.
O ponto chave do filme foi a comparação entre a situação macroscópica da Nova República e a eleição do grêmio estudantil da escola. Em ambos os casos, há um embate entre pensamentos mais conservadores e mais progressistas. A volta à democracia se fez com uma eleição indireta e com Tancredo Neves como mediador entre oposição e a elite civil golpista. Assim, um pensamento conservador pairava no ar, da mesma forma em que na escola, onde alunos politicamente moderados se acomunavam com a direção conservadora na busca pelo poder. Contra tudo isso estavam os anarquistas, grupo do qual Caio fazia parte. Mas, para não ser expulso e não provocar problemas para a mãe que, diga-se de passagem, mal olhava para a cara dele, Caio irá se “vender”, nas palavras de seu colega anarquista. O menino vence as eleições, mas joga tudo para o alto, por não aceitar o esquema conservador do “establishment”. Ao mesmo tempo, a morte de Tancredo e a posse de Sarney também são um balde de água fria no processo democrático, com todo mundo terminando com cara de tacho. A falta de atenção da mãe a Caio na sequência final é o sintoma de que nada mudou e o futuro é sombrio.
O filme não empolga muito, tem uma cadência lenta e alguns “bonequinhos” saíram da sala durante a exibição. Mais uma boa ideia que poderia ter sido melhor aproveitada. A questão de Caio ser reprimido pela escola ao fazer uma redação que denunciava a farsa do processo democrático foi uma ótima ideia. Isso poderia ter sido mais bem explorado e analisado. Era um bom filão. Mas o cotidiano anarquista muito recorrente em rádios piratas, impressões de zines nos mimeógrafos, sessões de fumo de maconha e shows de música e dança altamente emporraloucados se tornaram um pé no saco. A coisa saturou. Não precisava tanto. A gente entendeu o estilo de vida dos anarquistas logo no início do filme. Talvez explorar mais o embate entre os anarquistas e os alunos mais conservadores no cotidiano escolar tornasse o filme bem mais interessante.
De qualquer forma, “Depois da Chuva” tem o grande mérito de denunciar como a nossa redemocratização nasceu meio manca, meio torta. E nos ajuda a pensar como vários resquícios de autoritarismo permanecem em nossa sociedade até hoje. Por isso, esse é um filme que, apesar de seus problemas, dá uma importante contribuição à reflexão e ao desenvolvimento de uma consciência política.



Cartaz do Filme


Caio, num mundo em transição...


Com a namoradinha...


"Negue" à la Marcelo Nova.

Redação que o comprometeu com o conservadorismo

Desalento com a falta de perspectiva...

Um comentário:

  1. Gostei da resenha. Dormi no meio do filme. A narrativa era bem cansativa, mas o tema era realmente bom. Quem tiver controle da própria preguiça pode conseguir tirar bom proveito

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