quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Resenha de Filme - Boa Sorte

Boa Sorte. Amor, Doente Amor.
Uma curiosidade de nosso cinema. O filme “Boa Sorte” aborda o mundo dos dependentes químicos e viciados. E é um love story entre internos de uma clínica. Pessoas que buscam a reabilitação. Ou não, pois já estão num beco sem saída. O filme tem um bom pistolão. A filha do Jabor (Carolina) na direção, e um roteiro de Jorge Furtado além de um elenco estelar, capitaneado por Fernanda Montenegro e seguida por Cassia Kis Magro, Deborah Secco, Enrique Diaz e Felipe Camargo. O filme também já ganhou alguns prêmios, como melhor filme e direção de arte no festival de Paulínia e melhor atriz para Deborah Secco no Prêmio da Associação dos Críticos de Arte de São Paulo.
Vemos aqui a história de João (interpretado por João Pedro Zappa), um adolescente que vive em uma família muito louca, com hábitos meio largadões e viciada em alguns comprimidos. O menino seguirá pelo mesmo caminho e vai, aos poucos, se tornando agressivo, o que provocará a internação dele numa clínica. Lá, ele conhece Judite (interpretada por Deborah Secco), uma viciada em vários remédios e drogas, soropositiva, e que não consegue tomar mais o coquetel contra a AIDS, pois seu fígado debilitado não aguenta a medicação. Judite apenas espera a morte. Vai começar uma relação entre João e Judite que passa da amizade ao amor. E ao contato sexual, onde João terá que arrumar uma camisinha com o enfermeiro do hospital, Marcos (interpretado por Enrique Diaz), o mesmo que arranja drogas e remédios para Judite em troca de favores sexuais. João está apaixonadíssimo por Judite e essa ficará muito preocupada com tal situação, pois não quer ver o rapaz vivendo permanentemente na clínica por causa dela e não levar sua vida adiante (apesar de estar próximo a receber alta, João sempre fazia alguma coisa de errado para aumentar seu tempo de permanência por lá, só para ficar perto de Judite). Para fazer João ir embora, Judite terá que magoá-lo.
Qual é o grande mérito da história? Não é o love story em si, mas sim as conversas entre Judite e João, principalmente a teoria desenvolvida por João de que, ao tomar os remédios, ele fica invisível. Isso é uma metáfora muito bem bolada para a indiferença da sociedade com relação aos dependentes químicos e, por que não, pensando de uma forma mais ampla, a todo mundo? Os pais de João não davam a mínima trela para ele, ao ponto de a mãe desligar a TV na cara de nosso protagonista, como se ele nem estivesse na sala. A indiferença das pessoas com relação ao próximo, qualquer que seja ele, mas principalmente aos excluídos, é também notória. A história brinca com isso, a ponto de a indiferença só desaparecer quando há alguma espécie de contato físico como uma passada de mão na bunda de uma garota ou uma lambida, onde, claro, nosso João entrava na porrada. Essa invisibilidade e comportamento de João testando os limites do invisível é que fizeram os pais a achar que ele estava agressivo e o levar à clínica, já que ele agrediu uma mãe que batia em sua filha pequena. Mas há outros momentos divertidos. João e Judite aproveitam a sua invisibilidade para fugir da clínica e ir à praia, onde vão tomar banho de mar nus, sem que ninguém perceba. Constatamos como essa invisibilidade é forte, já que ninguém notou a Deborah Secco pelada em plena praia. Essa teoria da invisibilidade, portanto, é uma denúncia do comportamento altamente individualista da sociedade, onde não olhamos mais para quem está ao nosso lado, mas sim para a caixa de e-mails e “feicebúquis” de nossos smart phones. Triste conclusão.
O filme também usa a conversa entre os protagonistas para exprimir todo um lado lúdico, principalmente no diário de Judite que, apesar de tudo, ainda é uma moça romântica com seus sonhos e desejos. Os desenhos de Judite ganham vida em animações geradas por computação gráfica sobre o que ela achava de João, dando um tom colorido, singelo e delicado à história, embora o filme também não se esqueça das cruezas da vida.

Dessa forma, “Boa Sorte” é mais um filme de nosso país que enriquece a cinematografia. Boa direção, elenco, história, reflexão, valendo a pena dar aquela conferida sempre indicada aqui para esses casos.


Cartaz do filme


 
João e Judite. Um casal numa clínica de reabilitação.


Deborah Secco se preparou para interpretar uma soropositiva.


Festas com os maluquinhos da clínica.


Ambiente um tanto decadente...


Fernanda Montenegro. Excelente, como sempre...



Jorge Furtado


Carolina Jabor.

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