domingo, 3 de agosto de 2014

Resenha de Filme - Barravento, de Glauber Rocha

Barravento. Surge Glauber.
Começou na TV Brasil (nossa antiga TVE) um ciclo de filmes do Glauber Rocha. Serão cerca de cinco filmes, todos os sábados às 22h30min. E o primeiro a ser exibido foi justamente “Barravento”, produzido em 1962, estrelado por Antônio Pitanga. O filme conta a história de uma comunidade de pescadores negros no litoral baiano, que vivia da pesca. Eles eram explorados pelos comerciantes da região, que detinham a posse das redes de pesca. A vida da comunidade era de muita miséria e fome, em virtude dessa exploração, não sendo em nada diferente da vida sofrida do interior do seco sertão.  Todos os membros da comunidade eram adeptos do candomblé e eles adoravam Iemanjá, a deusa orixá do mar. Um homem da comunidade, Firmino, interpretado por Pitanga, foi viver na cidade e tinha estudo. Ele volta à Barravento para incitar as pessoas a lutar contra a exploração a que eram submetidas. Entretanto, as práticas religiosas as deixavam num estado letárgico, para o desespero de Firmino, que tenta de tudo, chegando até a destruir as redes de pesca. O líder dos pescadores é Mestre (interpretado por Lídio Silva), protegido de Iemanjá, contra quem Firmino investe toda a sua raiva. Mas Mestre já está idoso e um novo protegido de Iemanjá é eleito, Aruã (interpretado por Aldo Teixeira), que não deve se relacionar com mulher nenhuma, já que a orixá é muito ciumenta e vaidosa. Deve ser ressaltado aqui que os protegidos de Iemanjá têm a fama de proteger a comunidade e garantir boa pesca, mas eles não devem em hipótese nenhuma desobedecer a orixá para não perder o encanto. A escolha em cima do jovem Aruã o coloca em conflito, pois ele é apaixonado pela branca e bela Naína (interpretada por Lucy de Carvalho). Firmino, obviamente, quer desmascarar o encanto de Aruã e pede a sua amante, a viúva Cota (interpretada pela não menos bela Luíza Maranhão) que seduza Aruã. Impedidos de trabalhar pela falta de redes, os pescadores precisam se lançar ao mar com jangadas para pescar, algo muito pouco produtivo e extremamente perigoso, tanto que provoca a morte de um deles. Como Aruã sucumbiu a sensualidade de Cota nua no mar, a comunidade não mais acreditava em seus encantos. Houve ainda uma luta de capoeira entre Firmino e Aruã. Mas Aruã e Naína terminam juntos, tentando a vida na cidade.
Algumas coisas devem ser ditas aqui sobre esse filme. Em primeiro lugar, é o filme de Glauber mais convencional, onde vemos uma história bem contada e um elenco escolhido dentro dos melhores padrões do star system, ou seja, com protagonistas de rostos e corpos bonitos (os protagonistas Aruã, Cota e Naína são as provas disso). Ainda não há aquela porra-louquice típica dos próximos filmes de Glauber (“Barravento” é um de seus primeiros filmes). Outro detalhe é a carga simbólica da expressão “Barravento” que, além de ser o nome do lugar, também significa um momento de violência, quando as coisas da terra e do mar se transformam, quando no amor, na vida e no meio social, ocorrem mudanças súbitas. Ainda devemos nos lembrar que nesse filme as características do Cinema Novo se fazem presentes, sobretudo o uso da temática social. Fala-se dos negros excluídos da sociedade, da miséria, fome e exploração a qual são submetidos. Fala-se, também da cultura negra e sua religião de origem africana, de forma nua, crua e direta, algo que provavelmente ainda não havia sido feito de forma muito profunda. No momento em que as questões sociais são abordadas, os figurantes não seguem os padrões do star system, sendo gente comum do povo, nos rituais e infinitas batucadas que permeiam toda a história Esse era um dos motivos pelos quais tais filmes chamarem tanto a atenção na época. Deve-se ainda ressaltar que a leitura do filme é altamente marxista, onde a religião era acusada de manter as pessoas alienadas frente à exploração capitalista. Firmino vem como um revolucionário que quer lutar contra isso, pois ele entrou em contato com as ideologias socialistas ao migrar para o meio urbano, e volta à comunidade como um porta-voz dessas ideologias, lutando contra as tradições da religião africana. A luta de capoeira entre Firmino e Aruã é a materialização imagética desse embate tradição X modernidade. Por fim, as ideias revolucionárias vencem as crendices da tradição, quando Aruã passa a ser visto pela própria comunidade como um homem comum e ele pode se unir a Naína para tentar uma vida nova.

Definitivamente, esse é um dos melhores filmes de Glauber, pois consegue passar uma mensagem nova e revolucionária para a época de forma bem clara e convencional, totalmente fora dos hermetismos que sua experimentação excessiva acabou provocando em filmes posteriores.

 Cartaz do filme


Vida difícil e sofrida dos pescadores.


Aruã e Naína: relacionamento inviabilizado pela comunidade.


Candomblé presente no filme.


Firmino e a deslumbrante Cota.


Desespero de Firmino frente à letargia do povo embriagado pela religião.


 Cota seduzindo Aruã.


Pescadores na jangada. Missão perigosa.


Desmistificação religiosa traz esperança para Aruã e Naína.


Olha ele aí!!!!

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