domingo, 31 de agosto de 2014

Resenha de Filme - O Homem das Multidões

O Homem Das Multidões. Solidão Larga, Fotograma Estreito.
O filme brasileiro “O Homem das Multidões” aborda um tema bem atual e assustador: a cada vez maior superficialidade e distanciamento das relações humanas. Tendo Belo Horizonte e seu sistema de metrô como pano de fundo, o filme tem imagens de formigueiros humanos que contrastam violentamente com as dores da solidão e um comportamento passivo por parte dos personagens perante esse sofrimento.
Vemos aqui a história de Juvenal (interpretado por Paulo André), um maquinista de trem que vive em um silêncio quase total, num comportamento fechado e introspectivo. Seu relacionamento com os colegas se resume a monossílabos e expressões curtíssimas. A vida de Juvenal é uma rotina onde nada de novo acontece. Trabalho no trem, almoço em silêncio com os colegas, ficar sentado na praça vendo o mar de pessoas passando, exercícios físicos na varandinha de seu apartamento maltrapilho, lavar o chão de casa, sexo com a prostituta, escutar corridas de cavalo no rádio. Juvenal só se tornava mais comunicativo quando estava em sua casa à noite, falando consigo mesmo poucas palavras e ideias de forma repetitiva. Tudo indicava que a vida do maquinista continuaria assim indefinidamente, num marasmo total, não fosse a sua colega, Margô (interpretada por Sílvia Lourenço), que fiscaliza o tráfego dos trens do metrô, sendo bem mais comunicativa que nosso amigo, mas que leva uma vida igualmente solitária. Apesar de tudo, Margô vai se casar com um homem que ela conheceu na internet, depois de uns três ou quatro encontros. A moça irá convidar todos seus colegas para o casamento e convidará Juvenal para ser o seu padrinho de casamento, pois, apesar de conhecer muitas pessoas pela internet, não tem qualquer amigo próximo, e o maquinista seria seu amigo mais “íntimo”, com quem tem pseudoconversas, geralmente nos almoços. Num primeiro momento, Juvenal não aceitará o convite inicialmente e ficará remoendo isso à noite. Entretanto, ele irá aceitar o convite no futuro e usará o terno comprado por Margô. Eles têm uma vida a dois meio barro, meio tijolo, onde a moça frequenta a casa do maquinista, cujo principal programa é beber água do filtro em silêncio profundo. Vem o casamento e Juvenal fica completamente deslocado, cujo único momento de sociabilidade se resume a uns leves bebericos com o pai de Margô (interpretado pelo estudioso de cinema brasileiro Jean Claude Bernardet). O maquinista chegará ao seu apartamento e, alguns instantes depois, Margô chegará com uma caixa de copos (o único copo de Juvenal havia sido quebrado numa das visitas de Margô). Eles beberão novamente água e a noiva deprimida acenderá um cigarro e fumará, exalando muita fumaça e apagando o cigarro no copo com água. Essa quebra de rotina com o cigarro aceso é uma mostra de que o casamento de Margô foi por água abaixo. O filme termina com o tímido casal se entreolhando com uma expressão do tipo: “Pois é, o que se há de fazer?”.
Há um elemento muito inquietante no filme. Os fotogramas são estreitíssimos! A telona vira uma espécie de janelinha para o mundo de solidão de nossos personagens. Talvez aquela estreiteza toda no enquadramento seja uma representação das limitações que os personagens sofriam com suas vidas solitárias. A “falta de espaço” existente nos fotogramas é altamente angustiante e opressora, não nos deixando indiferentes em hipótese alguma, pois a intervenção é direta na imagem em si.
Outro elemento digno de nota é o uso da internet como gerador de relações superficiais. Embora alguns relacionamentos na grande rede tenham dado certo, essa já não tão nova ferramenta tecnológica ainda tem a pecha de gerar relacionamentos pouco profundos. As pessoas são tão efêmeras na rede quanto o turbilhão de informações que nela passa todos os dias. Assim, uma ferramenta que poderia aproximar seres humanos só proporciona ao fim das contas, sentimentos muito pouco táteis e enormemente fugazes, aumentando ainda mais a sensação de impotência e solidão.

Um filme de pouquíssimas palavras que nos faz pensar como lidamos com os outros e com nós mesmos. Essa é a melhor definição para “O Homem das Multidões”. Saímos da sala com um sentimento de desalento. Mas nos dias atuais, é vital que tal reflexão seja feita. Daí a importância dessa película brasileira, tão pouco divulgada.

Cartaz do Filme


Juvenal. Solidão total em seu apartamentinho medíocre.


Margô, outra figura solitária


 
Só na multidão



Um casal sem rumo


Sem diálogos


Desalento em fotogramas estreitos.

sábado, 30 de agosto de 2014

Resenha de Filme - Os Mercenários 3

Os Mercenários 3. Porradas E Explosões De Sempre.
Quando falamos de Sylvester Stallone e seus filmes de ação, a gente não pode ser muito exigente. Já sabemos mais ou menos o que vem por aí e é isso aí. Confesso que encaro seus filmes de ação como ótimas comédias, gênero em que Stallone, inclusive, se sai melhor. Por isso, “Os Mercenários 3” não é muito mais do que aquilo que esperamos. As novidades ficam por conta das novas aquisições do elenco, que se propõe a ter sempre uma constelação de estrelas muito conhecidas. Vejamos: Harrison Ford (que, pela idade, não sei como fará novamente Han Solo; será que o Chewbacca estará de pêlos brancos?) tomou o lugar de Bruce Willis como o contratante dos “Expendables”; Antonio Banderas faz um espanhol ridicularizado e submisso (é impressionante como o “latino” Stallone repete recursivamente estereótipos depreciativos aos latinos, seja em seus filmes, seja em suas declarações), ávido por um “empreguinho” de mercenário; Mel Gibson, que faz um excelente vilão, a antítese de Barney, personagem de Stallone, pois Gibson é um “ex-expendable” que se voltou para o mal (como se existissem mercenários do bem) e se tornou traficante de armas. Não podemos nos esquecer, também, de Wesley Snipes, numa boa participação de um ex-médico mercenário, especializado na arte de matar com a faca, “operando” seus inimigos. Todas as participações especiais foram boas, só lamentando o mico que o Banderas pagou com aquele personagem ridículo. Mas o bom ator faz qualquer papel. Fernanda Montenegro não fez a Zazá?
Como não podia deixar de ser, o filme também aborda a questão da idade, mas não de uma forma humorada como foi nos últimos filmes. Aliás, os momentos de humor nessa continuação são bem raros, limitando-se a alguns diálogos entre Stallone e Statham. Dessa vez a história é pesada, havendo tensões entre os membros do grupo, cada vez menor com as mortes que ocorreram ao longo dos anos. Há inclusive um recrutamento para a formação de um novo grupo. Realmente, os velhos mercenários parecem bem mais velhos agora. E não há mais piadinhas com a idade. A velhice realmente pesa. Resta pouco tempo de vida que pode ser abreviado em apenas um instante numa profissão tão perigosa como essa.
O resto, todo mundo já sabe. Muitos tiros, não tão sanguinários como em filmes mais recentes do tipo “Rambo 4” e até os dois primeiros filmes dos Mercenários (a impressão é que vemos um “Rambo” ou um “Comando Para Matar” da década de 1980, onde os pobres diabos que são atingidos por rajadas de metralhadoras apenas se jogam para trás), explosões com demolições de velhos prédios e a famosa sequência de porrada, no braço mesmo, onde vilão e mocinho jogam suas pistolas para o lado, embora sempre a usem em último recurso. Ah, sim, e a festinha habitual no final, sempre num barzinho, onde todo mundo está bem vestido, num contraponto à vestimenta militarizada usada nas missões.
Não podemos nos esquecer das tatuagens de caveiras, simbologia muito presente no filme. Há caveiras nos braços de todos, na fuselagem de aviões, no anel de Barney que dá sorte. O grande símbolo do filme. Até hoje não me pergunto se isso foi alguma influência do símbolo do Bope, já que o primeiro “Mercenários” foi rodado no Brasil e Stallone achou a caveira do Bope uma coisa absurda: “O símbolo da força policial deles é uma caveira. Imaginem isso em Los Angeles!”, disse o ator na época.

Dessa forma, “Os Mercenários 3” é o Stallone de sempre, um pouco mais sério e tenso. Boas aquisições no elenco e o mesmo lero-lero violento. Distração com gosto de catarse. Nada mais que isso.

 
Eles estão de volta!


Pose família...


Ícones da década de 80


Zoações na promoção do filme...


Noite de gala


Sangue sempre é indispensável


O "pai do Chris" sempre no elenco...


Credo!!!


Harrison Ford dá mais credibilidade...

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Resenha de Filme - Fanboys

Fanboys. Homenagem Ao Fanático Dentro de Todos Nós.
Em um dos eventos de comemoração de um ano do Abacaxi Voador foi exibido o filme “Fanboys”. Essa deliciosa comédia mexeu com todo o auditório que presenciou a exibição, pois é um filme com o qual todos se identificaram, já que só havia fãs de alguma coisa por lá. Amantes de “Guerra nas Estrelas”, “Jornada nas Estrelas”, “Doctor Who”, Tolkien e mais outros fissurados em livros, HQs, séries, filmes, games, colecionáveis e todo o tipo de produto cultural da linha pop, geek e nerd morreram de rir com a saga de uns camaradas que não conseguiam esperar o Episódio 1 de Guerra nas Estrelas, “A Ameaça Fantasma”, e decidem ir ao rancho particular de George Lucas para procurar uma cópia do filme e assisti-lo antes de todos. Há um motivo especial para tal empreitada. Um deles está com um câncer terminal e tem a vida estimada em três, quatro meses, quando ainda faltam seis meses para a estreia do filme. Dessa forma, a insólita trupe vai se arriscar numa viagem ainda mais surpreendente, onde todo tipo de loucuras acontece, com direito a muitos confrontos abertos entre amantes de Guerra nas Estrelas e de Jornada nas Estrelas, de uma forma muito engraçada, com direito a diálogos e situações que só os fãs dessas séries conseguem identificar. Há, também, as participações mais que especiais de uma envelhecida Carrie Fisher (a nossa princesa Leia) e um ainda mais envelhecido e estufado William Shatner (um tal capitão Kirk). Isso sem esquecer de Billy Dee Williams (o Lando Calrissian) de bigode bem branquinho.
Por ser uma comédia escrachada, muitos estereótipos aparecem. Os fãs não pegam mulher, não têm perspectiva de carreira profissional e parecem estar numa eterna infância. Há o fã que buscou se firmar na vida, mas não gosta daquilo que está fazendo, acabando por voltar a turma daqueles que são considerados desorientados na vida. Esses estereótipos se aproximam e se afastam da gente. Tem pessoas que se identificam com certos pontos, mas que rechaçam outros. Realmente isso depende muito de cada um. A rivalidade entre fãs de Guerra nas Estrelas e Jornada nas Estrelas também chama a atenção. Como já dito, o filme brinca muito com isso, gerando situações engraçadíssimas. Mas o mais curioso ficou por conta do debate após o filme. Embora as pessoas dissessem que essa rivalidade não tem nada a ver, ainda assim reconheciam que existem volta e meia discussões acaloradas sobre situações hipotéticas de um embate entre personagens dos dois universos. O filme, então, seria um típico caso de arte que imita a vida?
Der qualquer forma, o filme é uma homenagem a todos nós, que gostamos de um filme, uma série, um HQ e que passamos posteriormente a cultuar isso, seja colecionando, escrevendo ou fazendo podcasts. A escolha certa para um evento que homenageia justamente um site que se propõe a estender esse culto para mais pessoas, tornando visíveis devoções que ajudam a nossa vida a ficar mais saborosa. Vida longa e próspera (ops, já ouvi isso em algum lugar) para todos os fãs e seu amor por qualquer coisa que seja.

Uma turma muito louca


Cartaz do filme


Furgão com complexo de Falcon Millenium


Lutando contra trekkers


Road movie que pede peitinhos


Vida longa para Landru, ops, Lando!


Que trekkers são esses, meu Deus do céu???


Estreia! Expressão de alegria que todos nós entendemos...

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Resenha de Filme - Não Pare Na Pista

Não Pare Na Pista. Se Não Você Fica Para Trás.
O bom filme brasileiro “Não Pare na Pista: A Melhor História de Paulo Coelho”, mostra a trajetória do escritor/mago que não deixa ninguém indiferente. Ou ele é amado, ou odiado. A seu favor, uma legião de leitores de seus livros por todo o mundo, até em países inesperados como o Irã. Contra, as críticas de intelectuais mais puristas sobre a qualidade de seus textos. De qualquer forma, num país como o nosso, que tem uma legião de analfabetos, ver alguém que estimule a leitura, qualquer que ela seja, já é algo extremamente louvável. Com relação à qualidade dos textos, cada um pode dar a sua opinião. Mas parece que muitas pessoas se identificam com as linhas do escritor como ele mesmo gosta de se chamar. Era como o próprio Paulo Coelho dizia no filme: “a gente tem que escrever para quem nos lê”.
Mas voltemos ao filme. Podemos presenciar aqui, em idas e vindas no tempo, a vida de Paulo Coelho, onde estão presentes todos os conflitos com a família, principalmente o pai, suas internações, as dificuldades que ele encontrou para ser escritor, desde a resistência do pai em lhe presentear com uma máquina de escrever, até os obstáculos que ele tinha para editar suas revistas e livros. Sua viagem à Europa e sua incursão num misticismo católico que o levou ao caminho de Santiago de Compostela é mesclada com seus tempos de mais jovem, onde ele escrevia peças de teatro, experimentava contatos com a ufologia, que o aproximaram de Raul Seixas, e a entrada em seitas obscuras.

Sem entrar em mais detalhes, podemos dizer que a vida de um de nossos mais famosos escritores foi muito intensa e, apesar da repressão do pai e da própria ditadura militar, ela foi muito livre. Só é de se lamentar o desfecho do filme, que pareceu terminar antes do tempo. Não vemos uma transição do Paulo Coelho para a sua terceira idade, ou seja, ele ainda não era uma celebridade ao desfecho do filme. De qualquer forma, o filme nos dá uma boa ideia do que foi a vida de Paulo Coelho e dos “anos loucos” que foram a década de 1960. Vale a pena dar uma conferida.


Cartaz do Filme.


Paulo Coelho, compositor e escritor de vida intensa


 
Com Raul Seixas


Na luta para ser escritor


No caminho de Santiago


Juventude difícil com internações no hospício


Pai opressor.


Mãe protetora.


O rapaz tímido conquistou lindas mulheres.


Com sua esposa.

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Resenha de Filme - Lunar

Lunar. Quem Sou Eu? Quem É Você?
Mais uma obra de ficção científica que olha o futuro de forma um tanto pessimista. O bom filme “Lunar” (“Moon”), produzido em 2009 e dirigido por Duncan Jones, mostra o quanto o ser humano pode ainda não estar preparado para as implicações éticas da tecnologia que ele desenvolve e já usa. Até que ponto a necessidade de lucro das grandes empresas e corporações transforma o uso da ciência e tecnologia em algo benéfico ou maléfico? Essa é a grande questão dessa trama.
Vemos aqui a história da exploração lunar, num futuro aparentemente não muito distante. Nosso satélite natural tem grandes concentrações de Hélio 3, que gera uma grande fonte de energia altamente limpa para a Terra, resolvendo a questão energética e uma série de problemas ambientais e sociais, transformando o planeta numa espécie de “paraíso”. Assim, grandes empresas instalam máquinas de mineração na Lua para extrair o Hélio 3 e enviá-lo para nosso planeta. Quem faz isso são astronautas solitários. No caso de uma delas, o astronauta Sam Bell (interpretado por Sam Rockwell) está perto do fim de seu período de três anos na Lua e não espera a hora de voltar para casa, sua esposa e sua filhinha. Sam tem apenas a simpática companhia de Gerty, uma máquina pensante (cuja voz é de Kevin Spacey). Mas um acidente quando ele dirige um carro lunar para inspecionar uma máquina mineradora mudará a sua vida. Sam acorda novamente dentro da estação sob os cuidados de Gerty, que fala para ele repousar. Mas Sam escutará uma conversa entre Gerty e o controle da missão em tempo real e depois estranhará a recusa de Gerty em deixar Sam sair da estação. Ele o faz e, ao voltar ao veículo acidentado, vê a si mesmo ferido dentro do carro. Com o tempo, os dois Sams descobrirão que são clones de um Sam Bell original, este sim marido e pai. E que existem muitos outros clones que são usados de três em três anos e depois desintegrados quando pensam que voltarão à Terra. Ou seja, o trabalho duro da mineração é feito por clones com prazo de validade. Mas o pior ainda estava por vir. Uma missão de resgate chegaria à estação para colocar as coisas em ordem. Quer dizer, se ela encontrasse dois clones despertos ao mesmo tempo, os mataria e colocaria um terceiro do “estoque” para trabalhar na estação. Assim, os dois clones precisariam escapar da estação para não serem sacrificados.
Como podemos perceber, o filme tem uma implicação ética principal: a questão da clonagem e seu uso. Para manter uma Terra saudável e paradisíaca, seres vivos eram gerados, com um tempo de vida de apenas três anos, para fazer o trabalho sujo de uma atividade de mineração num terreno inóspito como o da Lua. Havia ainda o agravante dos implantes de memória da matriz dos clones, que os deixavam com alguma identidade e sentimento de esperança em dias melhores após uma suposta volta, que terminava numa desintegração imperceptível. Mas, para os dois clones que descobriram sua condição, os implantes de memória se tornaram uma verdadeira e praticamente insuportável tortura psicológica, pois todas as suas individualidades desaparecem. Desesperador é também ver a deterioração de um dos dois clones, pois seu tempo já estava acabando. Dessa forma, a clonagem mostra mais uma vez a tragédia do homem brincar de Deus, do famoso “mito de Frankenstein”, onde um uso antiético da ciência provoca dor e sofrimento em seres vivos.
Mas o filme tem outra questão curiosa: a figura de Gerty, um claro decalque de HAL-9000, de “2001, Uma Odisseia No Espaço”, de Kubrick. Entretanto, se HAL-9000 tenta liquidar seus colega humanos, por acreditar que uma ineficiência humana colocará em risco o êxito da missão, Gerty, apesar de ser programado para administrar os interesses da empresa, tem como objetivo principal servir e proteger Sam. Dessa forma, a máquina funciona como um HAL-9000 às avessas, onde um bug ajuda os dois clones a descobrir o sistema em que estão imersos, quais são suas verdadeiras intenções e até a estratégia que a empresa tinha de mantê-los incomunicáveis para transmissões em tempo real, onde antenas instaladas na superfície lunar tinham como objetivo bloquear comunicações ao vivo e só passar contatos gravados. Dessa forma, ao destruir as antenas, os clones descobrirão que “sua esposa” já havia morrido e “sua filha” já era uma adolescente. O mais triste e doloroso para eles será escutar a voz do verdadeiro Sam Bell ao lado da filha.

Lembrando sempre que “o melhor filme é aquele que faz pensar”, “Lunar” é uma produção de altíssima qualidade, por justamente nos convidar a uma reflexão sobre como vamos construir nosso futuro. Até que forma nós devemos usar as novas tecnologias? Como podemos tirar um proveito benéfico delas sem ter, como consequência disso, implicações negativas? Essa é a grande pergunta que o filme nos faz, mostrando ser mais uma obra fundamental.

 Cartaz do Filme


Sam (ou o clone?)


Um clone deteriorado


Gerty. Sentimentos programados.


Procurando respostas


Veículo Lunar, com a Terra ao fundo (embora o filme se passe no lado escuro da Lua)

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Resenha de Filme - A Experiência

A Experiência. Terror B, Atores A.
Dia desses, vi no TCM “A Experiência”, realizado em 1995 e dirigido por Roger Donaldson, com roteiro de Dennis Feldman. Esse filme tem uma característica muito peculiar. Ele tem cara de filmão de terror B, daqueles bem sem-vergonhas, mas com um excelente elenco. Vejamos: Ben Kinglsey, Alfred Molina, Forest Whitaker, Michael Madsen. Além de todos esses bons nomes, era-nos apresentada a belíssima e não menos loura Natasha Henstridge, que fez inclusive um filme brasileiro, “Bela Donna”, de Fábio Barreto, adaptação da história de “Riacho Doce”, que foi uma minissérie da Rede Globo, onde uma mulher da cidade (interpretada por Vera Fischer) se apaixona por um rapaz de uma comunidade local de pescadores do Ceará (interpretado por Carlos Alberto Ricelli), que tem uma avó para lá de ciumenta e coruja (interpretada por ninguém mais que Fernanda Montenegro). No filme, Natasha faz as vezes de Vera Fischer, e a avó é interpretada pela lendária atriz brasileira Florinda Bolkan.
Mas, voltemos a “A Experiência”. Qual é a trama do filme? Ele começa com o projeto Seti, de busca por inteligência extraterrestre. Uma mensagem da Terra foi enviada ao espaço e... foi respondida! Uma das respostas era um conjunto de instruções de como desenvolver um DNA alienígena e fundi-lo com um DNA humano. A tal experiência foi feita e uma menininha lourinha muito bonitinha nasceu. Mas logo ela se revelou um perigoso ser alienígena. Os cientistas liderados por Xavier Fitch (interpretado por Bem Kingsley) decidiram matá-la com gás cianureto. Entretanto, com sua força descomunal, a menina conseguiu fugir da redoma de vidro em que se encontrava confinada. Durante a fuga, seu rápido crescimento fez com que a mocinha se tornasse o mulherão que era Natasha Henstridge, com uma sede violenta por sexo para procriar e perpetuar a sua espécie. Tudo isso regado a muita violência, sangue e morte. Xavier vai recrutar uma equipe de especialistas: Dr. Stephen Arden (interpretado por Alfred Molina), Dan Smithson (interpretado por Forest Whitaker), Preston Lennox (interpretado por Michael Madsen), Dra. Laura Baker (interpretada por Marg Helgenberger), para caçar a monstra homicida. Dentre esses personagens, Dan Smithson é o mais curioso, pois ele é sensitivo e consegue adivinhar o que as outras pessoas sentem, pensam e querem. Por ter essa característica, Dan é extremamente sensível, principalmente ao tentar penetrar na mente da criatura e sofrer junto com ela todos os seus dilemas. Creio que essa característica sensitiva é o elemento mais interessante do filme e salva um pouco essa história de cara de filmão B. Aliás, os sentimentos do monstro são altamente conflitantes. Dan diz que a criatura somente ataca quando se sente ameaçada. Mas há passagens em que seus ataques são gratuitos, para o desespero e dilema do sensitivo. Agora, o que incomoda mesmo é o monstro, cheio de tentáculos, chifres ao longo da coluna e dois grandes seios em que saem tentáculos dos mamilos (argh!). A repugnância aqui não é pelo nojo ao monstro, mas sim pela questão do corpo da criatura ser altamente ridículo e caricato. Muitos exageros na monstruosidade da coisa. Até um Alien, com aquelas bocas todas, é mais esguio e elegante. O monstro de “A Experiência” é de uma extravagância insuportável, se pensarmos num filme A. Para um filme B do tipo “terrir”, a criatura cairia como uma luva. Mas essa não é a proposta de “A Experiência”, principalmente quando vemos o elenco. E aí, o monstro cai mal.
E pensar que chegou a haver continuações (foi-se até o quatro!!!). Bom, o cinema americano sempre tem possibilidades infinitas com a quantidade de dinheiro que tem. Mas a impressão algumas vezes de desperdício de celuloide incomoda muito, principalmente quando a gente sabe que em outros países há pessoas sem dinheiro e com bons projetos cinematográficos, muito mais interessantes. Durma-se com um barulho desses...

De qualquer forma, “A Experiência” é mais uma pérola da década de 1990. E como recordar é viver...

Cartaz do Filme


O monstro é um mulherão!!!


Seduzindo suas vítimas


Dan, o sensitivo


Monstro extravagante.


chifres nas costas

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Resenha de Filme - Deus e o Diabo na Terra do Sol



Deus E O Diabo Na Terra Do Sol. A Obra Prima de Glauber Rocha.
O filme “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1964) pode ser considerado a obra prima de Glauber Rocha. E por que podemos afirmar isso? Por que o filme se encontra a meio caminho daquilo que podemos chamar de um cinema mais convencional, com um roteiro estruturado que simplesmente conta uma história com um fio narrativo de fácil compreensão (como Glauber havia feito em “Barravento”) e um cinema mais experimental, que marcaria a carreira de Glauber posteriormente, tornando seus filmes mais herméticos e de difícil entendimento. A grande marca de “Deus e o Diabo na Terra do Sol” são as falas dos personagens, cheias de reflexões e conflitos sobre as condições sociais de um Nordeste inóspito e violento e de como eles, personagens, se enquadram ou deixam de se enquadrar nessas condições.
A trama conta a história do casal Manuel (interpretado por Geraldo Del Rey) e Rosa (interpretada por uma jovem e lindíssima Yoná Magalhães). Eles vivem no seco e miserável sertão nordestino, trabalhando numa terra estéril, vivendo de forma extremamente precária. Manuel transportará umas cabeças de gado dele e do coronel Morais (interpretado por Antônio Pinto) para a fazenda do latifundiário. A intenção de Manuel é vender suas cabeças de gado ao coronel para comprar um pedaço de terra. Mas algumas cabeças morrem de sede na viagem. O coronel é taxativo e diz que as cabeças que morreram foram as de Manuel, que precisava delas desesperadamente. Manuel questiona o coronel, que o trata com truculência. O sertanejo, revoltado e desesperado, mata o coronel e seus jagunços que haviam assassinado sua mãe. Temendo a perseguição dos poderosos, Manuel e Rosa fogem e se integram ao grupo do beato Sebastião (interpretado por Lídio Silva), uma espécie de alter ego de Antônio Conselheiro, em Monte Santo. O discurso de Sebastião é sedutor. Ele diz que os pobres terão um futuro de terras férteis e muita comida se eles se aproximarem de Deus e que os menos favorecidos serão contemplados e protegidos por Deus contra os poderosos. Mas, aos poucos, vemos que Sebastião é um fanático religioso extremamente autoritário que aliena o povo, sendo Manuel uma de suas principais vítimas. Quem não obedece as determinações do beato é tratado com violência, através de espancamentos severos e pesadas penitências. Rosa quer tirar o marido daquele grupo de religiosos, mas ele não lhe dá ouvidos. Sebastião diz que Rosa está possuída pelo demônio e ela somente poderá ser purificada com o sangue de um inocente. Sebastião sacrificará uma criança pequena para usar seu sangue para tirar os pecados de Rosa. Manuel surta com a cena e Rosa, aproveitando-se de um descuido de Sebastião, o mata a facadas.
Outro personagem do filme é Antônio das Mortes (interpretado por Maurício do Valle), um matador de aluguel, especializado em executar cangaceiros, mas que é contratado pelos coronéis locais e pela Igreja para liquidar o grupo de Sebastião, pois seus seguidores deixam de frequentar a Igreja católica e de trabalhar para os coronéis (novamente a alusão a Canudos). Antônio das Mortes questiona tal serviço, pois ouviu falar que Sebastião é um bom líder religioso e se preocupa com o povo. Mas a oferta dos coronéis de trezentos contos de réis e da Igreja de seiscentos contos de réis faz com que ele aceite a proposta. Ele executará todos os fiéis numa cena que, reza a lenda, foi uma homenagem de Glauber à cena da escadaria de Odessa, do filme “O Encouraçado Potemkim”, do russo Sergei Eisenstein, onde o povo é massacrado por tropas do Czar. Antônio das Mortes encontra Sebastião morto, Manuel e Rosa em estado de choque e conclui que o próprio povo matou o beato, deixando-os para trás. Mais tarde, Manuel e Rosa encontram o bando do cangaceiro Corisco (interpretado de forma magistral por Othon Bastos) e Dadá (interpretada pela bela Sônia dos Humildes). Corisco aqui é um cangaceiro visto de uma forma bem romântica, como o justiceiro do sertão que quer libertar o povo da exploração do governo e dos poderosos. Com monólogos muito intensos, Corisco lembra da aniquilação do bando de Lampião e de como o governo oprime o povo. O heroísmo de Corisco só não é menor do que sua violência gratuita, onde ele tortura e mata o filho de um coronel inimigo. Manuel, já integrado ao bando de Corisco com o codinome Satanás, quer fazer justiça, mas não suporta a violência gratuita de Corisco, atitude que faz o próprio cangaceiro refletir sobre seu estilo de vida violento e de como ele se encontra interiormente despedaçado por estar tão contaminado pela agressividade. Curioso também é notar a aproximação entre Rosa e Dadá, numa leve insinuação ao homossexualismo, tema carregado de pesados tabus há cinquenta anos. O envolvimento entre Rosa e Corisco também é digno de atenção. Os monólogos e reflexões em ritmo lento serão substituídos ao final da trama por um tiroteio entre Antônio das Mortes e Corisco, onde reza a lenda que Glauber fez essa sequência inspirado nos westerns de John Ford. Ferido mortalmente por Antônio das Mortes, Corisco dá seu último grito romântico: “Mais fortes são os poderes do povo!”. Manuel e Rosa correm sem rumo pelo sertão que vira mar na cena final de “Deus e o Diabo na Terra do Sol”.
Esse filme é uma das joias principais e carros chefes do cinema novo. Questão social e flagelo da seca nordestina denunciados, a religião como fanatismo, bem ao estilo da cartilha marxista, alusões a momentos da História do Brasil como a guerra de Canudos e o movimento do cangaço, a belíssima trilha sonora que contém Villa Lobos, dando um tom épico a uma tragédia social, mesclado com músicas num estilo bem nordestino, especialmente compostas para o filme, que narram a história, da mesma forma como foi visto no western “Rancho Notorious”, de Fritz Lang. Só que aqui, as letras são compostas pelo próprio Glauber e por Sérgio Ricardo.
Mas as pérolas principais se chamam Corisco e Antônio das Mortes. Os monólogos de Corisco são algo especial, embora o próprio Othon Bastos tenha achado que ficou uma merda. Os dilemas do cangaceiro ao expressar suas altas doses de violência, o tom nostálgico sobre a figura de Lampião, a visão de si mesmo como um defensor do povo contra o monstro do sistema, tudo isso dito de forma firme, com um olhar penetrante em close do ator perante o espectador, tornaram essa atuação de Othon Bastos algo antológico. Antônio das Mortes é um personagem ainda mais interessante, pois é um matador a serviço do sistema que questiona as mortes que lhes são encomendadas. Ele mata de forma impiedosa e é atormentado pelas próprias mortes que provoca. Isso pode ser visto num filme de Glauber feito exclusivamente para o personagem Antônio das Mortes, que foi “O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro”. Ambos os personagens – Corisco e Antônio das Mortes – são contraditórios. O cangaceiro luta contra as injustiças de forma muito dura, mas se arrepende de uma certa forma de ter perdido sua ternura. Já o matador é seduzido pelo dinheiro e pelo que ele tem que fazer, que é matar, mas questiona as mortes que provoca. Essas são as duas joias principais na coroa de “Deus e o Diabo na Terra do Sol”.

Definitivamente, esse filme é uma obra prima de Glauber, que ganhou vários prêmios: Prêmio da Crítica Mexicana no Festival de Acapulco, o Grande Prêmio do Festival de Cinema Livre da Itália, a Náiade de Ouro do Festival Internacional de Porreta Terme da Itália e o Grande Prêmio Latino Americano do Festival de Mar del Plata, Argentina. O ator Maurício do Valle ganhou o Troféu Saci de melhor ator coadjuvante. Referência obrigatória na videoteca de qualquer cinéfilo...


Cartaz Antológico do Filme


Rosa e Manuel. Dois perdidos no flagelo da seca


Sebastião. Fanatismo religioso.


Penitências literalmente pesadas.


Manuel cada vez mais distante de Rosa.


Rosa como o Demônio!!!


Surge Corisco!!!!


Cangaceiro de olhar penetrante.


Antônio das Mortes. Maior personagem de Glauber.



Antônio das Mortes. Matador atormentado.


Dadá, interpretada pela bela Sônia dos Humildes.


Manuel. Conflito entre Deus e o Diabo.


Mais fortes são os poderes do povo!!!!


Glauber em ação!!!!


Grande cena! Scorsese e o poster do clássico de Glauber!!!