sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Resenha de Filme: O Mordomo da Casa Branca

Quem não vive para servir não serve para viver.
A América como ela é. Conservadorismo, direita e racismo travestidos de democracia somente para os brancos WASP (sigla em inglês para a expressão branco, anglo-saxão e protestante). Essa é a impressão inicial do filme “O Mordomo da Casa Branca” (The Butler), estrelado pelo “Academy Award Winner” e excelente Forest Whitaker. Vemos aqui a história de Cecil Gaines, um menino negro do sul dos Estados Unidos que trabalha como empregado numa fazenda que cultiva algodão. O filho do proprietário da fazenda estupra a mãe de Cecil (interpretada por uma gorda e deformada Mariah Carey que, praticamente entrou muda e saiu calada do filme) e, não satisfeito, ainda mata o seu pai, numa mostra de que a vida dos negros da primeira metade do século XX nos Estados Unidos estava totalmente à mercê dos brancos e suas vontades. O menino é então adotado pela matriarca da fazenda (interpretada pela veterana artista Vanessa Redgrave) que o inicia na criadagem e na arte de servir. Depois de alguns anos, ele abandona a fazenda, pois, como adolescente, já não tem a proteção que a criança negra da Casa Grande tem e, para não ser assassinado, ganha o mundo. Ao tentar assaltar uma confeitaria, é flagrado pelo empregado negro que o acolhe e lhe dá oportunidades de trabalhar no comércio, sempre servindo as pessoas. Daí, sua carreira se desenvolve até chegar a ser mordomo da Casa Branca. A vida, que pareceria um mar de rosas a partir daí, tem ainda muitos lances dramáticos, como a crise conjugal na vida de Cecil que a dedicação ao emprego provoca (a esposa de Cecil é interpretada pela multimídia Oprah Winfrey) e as severas crises de relacionamento entre Cecil e seu filho mais velho, Louis (interpretado por David Oyelowo). Louis decide estudar no sul dos Estados Unidos e se torna politicamente engajado, estando ligado a Martin Luther King num momento, e aos Panteras Negras em outro, indo para a prisão várias vezes, para desespero de sua família, que assiste tudo à distância. Seu pai, em contrapartida, procura não se engajar politicamente para garantir seu emprego de mordomo, engolindo todo tipo de humilhações para poder sustentar a família. Tudo isso tendo pano de fundo a história dos Estados Unidos ao longo do século XX, principalmente no que tange à questão racial. O filme tem um grande mérito: aborda o racismo em toda a sua intolerância, agressividade e violência, onde o próprio espectador sente-se agredido ante à tantas situações ultrajantes que os brancos impõem aos negros. As posições de pai e filho também são relativizadas no filme. Fica bem claro que o pacifismo de Martin Luther King é valorizado e a violência dos Panteras Negras é condenada (ao melhor estilo manifestação pacífica X “Black Blocs” que vimos nos últimos tempos) ao encontrarmos Louis jantando na casa dos pais com sua namorada num gigantesco penteado “black power” e soltando arrotos à mesa, num comportamento que choca os pais inseridos numa vida burguesa, apesar do racismo que sofrem. Por outro lado, o próprio Martin Luther King valoriza os procedimentos do pai mordomo de um envergonhado Louis, dizendo que conquistar a confiança dos brancos e os conhecer a fundo também pode ser visto como uma estratégia de luta (impossível não comparar tal situação com a dos escravos no Brasil Colonial que, em algumas situações, se aproximavam dos seus senhores, conquistando-lhes a confiança, ao denunciar planos de fuga de escravos, por exemplo, ganhando prêmios como comida extra no almoço, um pedacinho de terra para plantar e viver com a família no engenho e até a sua liberdade). Apesar dessa relativização, pai e filho somente se aproximam quando o Cecil pede demissão de seu emprego e também se engaja politicamente com o filho. Como todo o filme americano que se preza, o “happy end” está garantido, com a apoteose “we can” de Barack Obama, numa espécie de vitória final dos negros na sociedade americana. Outra nota curiosa do filme é o desfile de presidentes americanos, onde a constante é o conservadorismo e o racismo, exceção aberta a Kennedy e, talvez, Eisenhower. Jimmy Carter somente em imagens de arquivo é uma ausência sentida. Talvez o episódio da embaixada dos Estados Unidos no Irã em 1979 tenha sido contundente demais para o seu já combalido carisma. A caracterização de Alan Rickman na pele de Reagan, assim como a de Jane Fonda na pele de Nancy Reagan impressionam. Destaques também para Cuba Gooding Jr. e Lenny Kravitz (!), que trabalhavam na equipe de mordomos.
Dramas pessoais e história da América. Racismo e luta pela liberdade. Bom elenco e interpretações primorosas. Tudo isso faz de “O Mordomo da Casa Branca” um bom filme.


Forest Whitaker e Oprah Winfrey



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