O Cineclube Sci Fi, em
sessão realizada no Planetário da Gávea no dia 13 de setembro, exibiu o filme
“O Segredo do Abismo”. Realizado em 1989, essa película mostrou uma história um
tanto desconexa e sem propósito quando da sua exibição ocorrida já no século
passado. A versão recentemente apresentada no Planetário foi uma edição do
diretor e roteirista James Cameron, onde a coisa teve um pouco mais de sentido.
Vamos falar agora um pouco dessa nova história.
O filme começa com um
acidente onde um submarino nuclear americano naufragou após um enorme objeto
não identificado subaquático cruzar o seu caminho. Para fazer o resgate, foram
contratados trabalhadores de uma empresa de prospecção de petróleo,
especializados em trabalhar em águas profundas, já que o submarino naufragou
numa fossa abissal. A equipe era liderada por Virgil (interpretado pelo sempre
eficiente Ed Harris) e foi contratada, pois o salvamento se fazia urgente em
virtude do fato de que ogivas nucleares estavam no submarino e a equipe de
Virgil era a mais próxima ao local do acidente. Mas esse salvamento não se
faria de forma tranquila. Vários militares seals participariam da missão e
queriam total controle das ações. Ainda, a esposa de Virgil, Lindsey
(interpretada por Mary Elisabeth Mastrantonio) chegou para tumultuar o ambiente
em virtude de querelas pessoais e profissionais (Lindsey estava se separando de
Virgil e ainda não se conformaria com uma situação mal resolvida com a equipe
do marido). Assim, a missão adquiriu contornos de muita tensão. Para piorar, o
líder dos seals respirou oxigênio puro de forma excessiva nos procedimentos de
mergulho a grandes profundidades e “pirou na batatinha”, querendo assumir o
controle da missão a qualquer custo. E tudo isso acontecendo no meio de um
conflito entre Estados Unidos e União Soviética, já que o naufrágio do
submarino americano despertou uma série de suspeitas de um ataque soviético.
Logo, a equipe de salvamento tinha que correr contra o tempo para evitar uma
Terceira Guerra Mundial! Ufa! Você pode até me perguntar: será que foi possível
resolver tantos problemas num filme só? Por incrível que pareça, sim! Mas numa
versão estendida de três horas! Porque ainda tem os ETs subaquáticos, lembra? A
situação enrolou ainda mais com um acidente que deixou a equipe isolada debaixo
d’água e com o estoque de oxigênio limitado. Nesse ínterim, houve o contato imediato
de terceiro grau, quando a equipe soube da existência da espécie alienígena que
a contactava com volumes d’água que sondavam os humanos e até tomavam a forma
deles, num dos poucos usos da computação gráfica da película. Assim, resolvido
o imbróglio com os seals, Virgil decidiu encarar a fossa abissal com uma roupa
de mergulho cheia de um líquido rico em oxigênio, onde nosso protagonista
“respirava” tal líquido e podia encarar melhor a enorme pressão da água a
grandes profundidades. Lá, praticamente inconsciente, foi salvo pelos
alienígenas que o colocaram numa espécie de bolha de ar com uma grande tela
virtual que exibia programas de tv da Terra. Com essas imagens, os
extraterrestres argumentavam que a raça humana era muito agressiva e devia ser
destruída. Por controlarem a água, os alienígenas formariam enormes ondas que
destruiriam a cidade. Mas eles desistiram, pois captaram uma mensagem de Virgil
a Lindsey, que dizia que a amava, pois enquanto ele descia a fossa, abissal,
Virgil percebeu que não conseguiria retornar e morreria ali. Assim, mandou a
mensagem de amor e despedida à esposa, que os alienígenas captaram e, de forma
muito piegas, perceberam que a humanidade ainda tinha salvação e desistiram de
destruí-la. O filme termina com a grande “nave espacial” alienígena que estava
submersa chegando à tona, trazendo um monte de navios afundados com ela, a
equipe toda salva e Virgil e Lindsey dando um beijo apaixonado sobre o OVNI
subaquático. Que fofo!
Apesar dessa pieguice
mais ao final, esse “corte do diretor” James Cameron de três horas de duração
deu mais substância à história pois, na versão original, toda a parte “guerra
fria” do filme não existia, assim como as enormes e ameaçadoras ondas que iriam
destruir as cidades. Na versão original, não se tinha uma ideia exata do papel
dos ETs, o que ficou mais claro na versão estendida, onde também ficou notória
a mensagem pacifista de Cameron e o alerta que ele fazia à humanidade da
preservação de nosso planeta, que estamos destruindo o lugar que moramos, etc.,
exatamente a mensagem que ele quis passar em “Avatar” muitos anos depois.
Curiosa também era a forma dos alienígenas, que pareciam enormes águas vivas
fluorescentes. Sabemos que, a grandes profundidades existem alguns seres vivos que
emitem luz própria para atrair seres vivos que servem de alimento, embora nas
profundezas abissais praticamente não haja vida. Dadas essas formas marinhas
dos ETs, ficou a impressão de que essa espécie alienígena já habitava o fundo
do mar há muito tempo e, pela teoria da evolução das espécies de Charles
Darwin, já teria assumido aquelas formas mais vistas em seres marinhos.
Assim, pode-se dizer
que essa versão estendida de “O Segredo do Abismo” é muito mais interessante
que a versão original, pois acrescentou mais elementos à trama e deu uma
mensagem à história, tornando-a motivo de reflexão. Mais uma boa escolha do
público para o Cineclube Sci Fi.
Após a exibição do
filme, tivemos duas rápidas palestras de Naelton Araújo, astrônomo do
Planetário da Gávea, mestre em educação, gestão
e difusão em Ciências e que mantém o blog pessoal Céu Urbano, e Rafael
Pinotti, M.Sc. em Físico-Química pela UFRJ, onde
se graduou em Engenharia Química e cursa atualmente doutorado em Astronomia.
Trabalha desde 1990 na Petrobrás como Engenheiro de Processamento. Naelton
Araújo lembrou de alguns detalhes do “making of” do filme, como o fato dos
atores terem precisado fazer um curso de mergulho para fazer as gravações e das
más recordações em rodar o filme em condições altamente adversas, feitas num
tanque de um antigo reator nuclear, com uma água com muito cloro para evitar
doenças. Naelton ainda lembrou que o tal “fluído respirável” já existe, mas
ainda não é utilizado para mergulhos de humanos. Um dos membros da equipe de
Virgil tinha um ratinho branco de estimação e ele foi, de fato, submetido ao
tal líquido, apesar de a cena ter sido editada. A menção a tal líquido apareceu
em outros filmes mais recentes como “Oblivion”. Naelton ainda lembrou que o
filme ganhou o Oscar de melhores efeitos especiais em 1990. Já Rafael Pinotti
tratou mais da parte científica do filme. Ele lembrou, por exemplo, que as
plataformas de prospecção de petróleo a grandes profundidades não são
tripuladas, como o filme fantasiosamente mostrava. Pinotti ainda enfatizou que
há regiões com petróleo disponível, mas que ainda não foram exploradas
principalmente por causa de seu difícil acesso, como o Mar do Ártico, que tem
um quarto das reservas distantes de petróleo. Foi ainda lembrado do
barateamento atual do preço do petróleo, provocado, sobretudo, pelos Estados
Unidos, que inundou o mercado com óleo retirado do solo e, enquanto o petróleo
estiver barato, pouco investimento será aplicado na tecnologia de prospecção.
Com
relação à situação do filme de ETs vivendo debaixo d’água, Pinotti lançou um
questionamento: a tecnologia pressupõe uma manipulação de objetos, algo mais
difícil de fazer na profundidade. Assim, seria pouco provável que houvesse uma
vida inteligente tecnológica debaixo d’água, embora haja bons exemplos de vida
inteligente subaquática como os cetáceos e os polvos. Pinotti também lembrou da
pouca quantidade de água existente no planeta, com oceanos de profundidade
média de três quilômetros. A pouca quantidade de água é vista também em outros
planetas do sistema solar. E nos planetas extrassolares? O primeiro desses
planetas foi detectado na década de 1990. Hoje, com a melhoria dos instrumentos
de observação, há mais de dois mil planetas extrassolares detectados. E aí
descobrimos que nosso sistema solar não é típico, pois foram descobertos
planetas semelhantes a Júpiter mais próximos das estrelas dos sistemas. As
teorias sobre o sistema solar diziam que os planetas mais próximos ao Sol
(Vênus, Terra, Marte, por exemplo) tinham uma atmosfera com espessura bem menor
que os planetas mais afastados do Sol (Júpiter, Saturno, Urano, Netuno, por
exemplo). A observação de planetas extrassolares a princípio desmente tal
teoria. Há também nos planetas extrassolares as chamadas “Super Terras”, onde há
muitos planetas maiores em massa que a Terra e menores que Urano e Netuno. Há
uma proporcionalidade entre a quantidade de rocha do planeta e a quantidade de
água. Como a água e a rocha crescem com o volume em quilômetros cúbicos e
ocupam uma área em quilômetros quadrados, há uma especulação de que os oceanos
de água em Super Terras possam ter centenas de quilômetros de profundidade.
Perguntado pelo público se os cometas da nuvem de Oort que circunda o sistema
solar podem ter contribuído para a formação da água do planeta (cometas são
compostos de gelo e poeira), tanto Naelton quanto Rafael foram categóricos em
afirmar que existem poucas evidências observacionais disso e não se pode
esquecer que os asteróides também trouxeram água, o que também tem poucas
evidências observacionais. Assim, os palestrantes acreditam que parte da água
tenha vindo dos cometas, parte tenha vindo dos asteróides e parte tenha vindo
das próprias rochas de nosso planeta, sem uma preponderância mais específica.
A palestra
ainda tocou em assuntos como quais são as visões que os humanos têm dos ETs
(medo, esperança e curiosidade), onde o medo suscita mais questões. Falou-se,
também, do pessimismo em se encontrar inteligência extraterrestre, pois em
cinquenta anos de observação de rádio, não houve qualquer evidência encontrada
e o fato de que o filme pode ter sido inspirado num conto de H. G. Wells, “O
Abismo”, que também tratava da exploração de fossas submarinas.
Como
podemos ver, mais uma edição do Cineclube Sci Fi que trouxe bons frutos. Uma
versão estendida de “O Segredo do Abismo” que tornou a história mais coesa,
boas palestras de pesquisadores renomados e o bate papo agradável onde sempre
podemos aprender mais. Se você ainda não conhece, compareça ao próximo!
Cartaz da versão estendida
Virgil, o líder da equipe
Lindsey, em litígio comVirgil e sua equipe.
Seal pirando na batatinha
ETs à espreita
Contatos Imediatos do Terceiro Grau Subaquáticos!!!
ETs fluorescentes
O tal líquido respirável
OVNI subaquático emergindo
Naelton Araújo, um dos palestrantes...