Jornada
Ao Oeste. A Existência Depende Do Olhar.
Um filme muito peculiar
está em nossas telas. “Jornada Ao Oeste” tem pouco menos de uma hora de duração
e é, no mínimo, intrigante. Ele se caracteriza por planos longuíssimos onde um
suposto monge budista se move de forma extremamente lenta pela cidade, enquanto
que as pessoas assistem a tudo aquilo, perplexas. Essa co-produção da França e
de Taiwan pode muito bem se encaixar na proposta de cinema experimental. É
interessante notar que o monge (interpretado por Lee-Kang Sheng) ganha um
discípulo (interpretado por Denis Lavant), que o passa a seguir em seus mesmos
passos lentíssimos. Aliás, o filme começa com um plano muito longo que mostra
um enorme close do rosto de Lavant, com apenas alguns pouquíssimos movimentos
de respiração e uma singela lágrima, representação de que o personagem não
tinha uma razão para a sua vida, até encontrar o tal do monge. Dá para perceber
que o fio narrativo é muito tênue e as ações se concentram nos movimentos muito
lentos dos personagens em contraposição ao ritmo frenético das grandes cidades.
A reação dos
transeuntes também é interessante. Numa escadaria, uma garota fica preocupada
com o monge e lá fica por perto, chamando a atenção das pessoas a ele que,
indiferentes, continuam suas rápidas passadas. Até que chega um momento em que
a própria menina se desinteressa do monge e vai embora. Vemos esse comportamento
em mais pessoas em outra tomada, já no meio da rua, com o monge sendo seguido
pelo seu discípulo. As pessoas se juntam, olham, riem e, depois que se perde a
graça, dão as costas e vão embora. A impressão que se dá é a de que, numa
sociedade muito dinâmica, com um turbilhão de informações por segundo, tal
atitude de lentidão extrema logo perde a pecha de novidade e torna-se velha. Ou
seja, o movimento do monge e seu discípulo vai totalmente na contramão do que é
nossa sociedade hoje: extremamente rápida e pouco detalhista, beirando a
superficialidade. O movimento extremamente lento dos passos do monge, pelo
contrário, prima pelo detalhismo, onde vemos cada músculo, dedo, tendão de seu
pé fazendo o movimento do caminhar.
O mais interessante
está ao final do filme, onde vem uma citação que diz que, por mais que existam
coisas no mundo, a existência está condicionada ao olhar. Ou seja, as coisas
somente ganham sentido quando elas são notadas, apreciadas. A nossa sociedade
não vê mais. Apenas absorve superficialmente um turbilhão de informações. Como
dizia o famoso geógrafo brasileiro Milton Santos: há muita informação, mas não comunicação,
que seria uma troca sadia e produtiva de informação. Uma troca que levaria uma
teoria racional e palatável sobre as coisas da vida e do mundo, e não um acesso
à informação que nada de concreto produz. Ao focarmos nossa atenção em
movimentos tão lentos e detalhados, conseguimos perceber os detalhes de uma
realidade que a sociedade moderna os tem como imperceptíveis. Ou seja, está na
hora de desacelerarmos e percebermos mais as coisas à nossa volta, até para
sentimos melhor o espetáculo da vida. Enquanto escrevo essas linhas, me lembro
da sensacional aproximação entre si dos planetas Vênus e Júpiter que ocorre no
céu estes últimos dias. Um grande show da natureza que ocorre muito rapidamente
para padrões astronômicos, mas muito lentamente para nossa sociedade
superacelerada, que nem para mais para apreciar um céu estrelado e testemunhar
essa maravilha da natureza. Para o bom apreciador, é um lindo efeito celeste de
perspectiva. Para uma pessoa conectada com a velocidade do dia a dia, são
apenas dois pontos luminosos próximos, e ainda se ela se der ao trabalho de dar
uma espiadinha no céu e na direção certa. Definitivamente, a existência está
condicionada ao olhar... Dessa forma, “Jornada ao Oeste” é um filme
experimental que merece nossa atenção, pois suscita muitas discussões sobre o
comportamento contemporâneo de nossa sociedade.
Cartaz do filme
Um solitário monge, em passos lentíssimos
Um homem sem esperança
Um pequeno ponto vermelho em sua alma
Um discípulo começa a segui-lo
O mestre e seu discípulo. Pessoas perplexas...
Misturando-se na multidão